novembro 26, 2014

O último mês.

Dizem que nada torna o ser humano mais produtivo do que o último minuto. Assim como também nada   torna o ser humano mais esperançoso do que o primeiro. Que o digam as promessas de ano-novo. Sempre são muitas. Sempre carregadas de esperança.
Promete que vai emagrecer.
Comer verduras em todas as refeições.
Controlar centavo por centavo de sua conta-corrente.
Praticar atividade física diariamente.
Vai à Igreja todos os domingos.
Visitar a avó toda semana.
Ter mais tempo para si mesmo.
Tomar mais água.
Vai aprender a dizer não.
Arrumar o guardar-roupas.
Aprender a cozinhar (sem usar glúten).
Doar os brinquedos que as crianças não usam mais.
Usar o cartão de crédito somente quando extremamente necessário.

A maioria delas sequer é lembrada antes mesmo da chegada do carnaval. O ser humano tem dessas. Vive prometendo. Planeja, deseja, promete.

É sempre no ano que vem que as coisas vão acontecer. Ano que vem eu vou encontrar o emprego que eu desejo. Vou correr a São Silvestre. Vou conhecer a Europa. Vou fazer a cirurgia que estou adiando. Vou aprender francês. Fazer um curso de teologia. Ou de fotografia. Ano que vem eu vou ter um filho, escrever um livro e plantar uma árvore. Ano que vem.

Como temos sempre o ano todo pela frente, é muito fácil deixar para o outro dia, para a próxima segunda-feira, para o início do segundo semestre. A sensação de ter muito tempo nos deixa preguiçosos, acomodados.

Se o ano tivesse menos tempo, talvez faríamos mais. Se 2014 fosse somente o dezembro que falta, talvez faríamos mais do que nos onze meses que já deixamos para trás. Não teríamos tempo de esquecer as promessas. Não teríamos as férias, o carnaval e nem a Páscoa entre os nossos desejos e as nossas ações. Pensando assim, resolvi antecipar minhas promessas de Ano Novo. Resolvi fazer minhas promessas ainda em 2014. Ainda tenho 35 dias pela frente. São 10 objetivos. Desde os menores, como comprar a vitamina D que deixei de tomar há três semanas até alguns desejos maiores, que tomam mais tempo do que atravessar a rua para passar na farmácia.

Dez promessas. Dez desejos. Dez realizações. Só dez. Ainda dá tempo.

Nada torna o ser humano mais produtivo do que o último minuto. Ou o último mês.

P.S. : Já comprei a Vitamina D ! ;-)

#10coisas35dias



setembro 10, 2014

Oração de Verdade.

Algumas orações parecem egoístas. Sempre pedindo. Proteção, saúde, emprego. Que meu time ganhe, que meu professor falte, que alguém me perdoe. Que eu passe na prova, que eu encontre um amor pra vida toda. Que eu tenha fé, que eu seja feliz, que eu realize os meus sonhos. Que meu candidato se eleja, que eu ganhe na loteria. 

Em uma análise quase infantil, e se o meu time é diferente do time do meu vizinho? Ganha quem rezar mais? Ou quem tem mais fé? Encontra o amor somente aquele que pede por ele todas as noites? Tem saúde quem tem maior intimidade com Deus? Não soube rezar aquele que cuja dor é maior do que a minha? O meu sucesso pessoal depende da quantidade de versículos que eu ler, missas ou cultos que eu frequentar, novenas ou campanhas que eu terminar? 

A oração egoísta parece querer transformar as pessoas e o mundo para nos atender. Dedica-se a satisfazer as nossas vontades, os nossos desejos. Mas quem reza de verdade não precisa pedir. Quem reza de verdade nem precisa de palavras. 

Oração é sentimento, é alegria, é silêncio, é caminhada, é sorriso. Reza quem aceita, quem compreende, quem compartilha, quem entende. Reza quem doa, nem que seja um aperto de mão. Reza quem se coloca no lugar do outro, quem se compadece, mesmo sem dizer nada. Reza quem faz o certo, quem tem a consciência tranquila. Reza quem observa a lua, quem se alegra com a beleza de uma flor, quem trabalhou tanto que não teve tempo de olhar pela janela. Reza quem dá bom dia, quem diz obrigada, quem cochila depois do almoço. Reza quem tem um cachorro ou quem tem alergia a pelo. Reza quem toma remédio todo dia, pra preservar a saúde que lhe foi confiada. Reza quem esquece das coisas, porque tinha tanto pra pensar. 

Reza quem tem filhos, quem tem pais, quem sente saudade. Reza quem escreve e quem lê. Reza quem quer ser melhor a cada dia, quem acredita que um mundo melhor só vai existir quando cada um resolver ser melhor por dentro primeiro. A oração de verdade não transforma o mundo. Transforma quem reza.



agosto 05, 2014

Um Jogador de Baralho Flamenguista.

Essa época do ano me leva sempre a agradecer. Agradecer o pai que eu tive, mesmo que o tenha tido por apenas oito anos. Às vezes me pego pensando em quantas coisas aprendi com ele, em tão pouco tempo. Talvez seja aquela ideia que a vida nos dá de  tornar heróis aqueles que já se foram. Eles não tem mais tempo de contradizer as nossas expectativas, tampouco de mostrar um outro lado que ainda não conhecemos. Tudo que era para ter sido, já foi. Ou talvez seja pela lente de amor e admiração que cobre os olhos de toda filha ao enxergar o pai. Ou ainda, talvez ele realmente foi aquela figura extraordinária da qual eu me lembro, e, por isso, tenha sido levado dessa vida tão estranha mais cedo.

Uma figura mansa, mas firme. Uma figura que inventava apelidos e fumava Charm. Que usava suéter azul marinho com gola V e cantarolava Beth Carvalho. Que brincava com a mesma facilidade que falava sério e tratava minha mãe com uma delicadeza e um amor que eu não saberia dizer que vi em outro casal. Generoso, espirituoso, grisalho desde muito cedo. Um jogador de baralho que eu nunca vi perder. Só o Flamengo lhe tirava a calma. Uma letra linda, que enfeitou as capas dos meus cadernos até a segunda série. Comprou um vídeo cassete quando grande parte dos aparelhos de TV ainda eram em preto e branco. Fez do vídeo game um companheiro para a solidão da doença que o consumiu. Nem doente parecia triste. Já em sua última vez no hospital, recebeu a mim e ao meu irmão com bombons. 

Uma figura que me ensinou a paciência. No baralho e na vida. Me ensinou que a maioria dos problemas da vida se resolve com boa-vontade e bom-humor. Me ensinou que a vida pode ser leve, que sorrisos e gentileza transformam o ser-humano. Me ensinou que precisamos cultivar o que nos faz bem.  Me ensinou a oração de São Francisco, que, até hoje, me conforta. Me ensinou que, às vezes, não há nada o que fazer, a não ser aceitar. E que, mesmo nessas horas, a gente ainda tem muito o que agradecer.

julho 14, 2014

O que a minha filha aprendeu com a Copa do Mundo.

Sem que eu fizesse qualquer esforço, minha filha mais nova tornou-se uma apaixonada pela Copa do Mundo.  Como em tantos outros casos, não se trata de paixão pelo futebol, como costumam atribuir a todo brasileiro. Mas paixão pela Copa do Mundo. Paixão por ver tanta gente envolvida em torno de um objetivo. Tanta festa, tanto motivo pra juntar todo mundo, pra celebrar, pra preparar. A gente acaba concordando que o melhor da festa é esperar por ela.

Tentar completar o álbum de figurinhas, conhecer o nome dos jogadores, conhecer os países, descobrir de qual deles são os maiores craques. Foi com o álbum que ela descobriu que língua se fala na Croácia. Foi através dele que ela se interessou por saber se Portugal de Cristiano Ronaldo ficava perto da Holanda de Robben.  Descobriu que Brasil se escreve com Z em inglês e que quais são as cores da bandeira da França.

Aprendeu a fazer conta para trocar as figurinhas repetidas. Aprendeu até sobre a lei da oferta e da procura quando decidiu pagar cinco reais pela rara W1, que custaria apenas vinte centavos em condições normais.  Aprendeu que temos que confiar nas pessoas, mas é preciso vigiar as suas figurinhas porque nem todo mundo pensa e age como a gente. Aprendeu que não importa quanto tempo você passe no troca-troca de figurinhas dos domingos de manhã na banca de revistas, às vezes a gente não acha a figurinha que falta para completar a seleção brasileira.

Vestiu a camisa do Brasil, conscientemente e por vontade própria, pela primeira vez no jogo contra a Croácia. Aprendeu quantos minutos tem em cada tempo do jogo. Aprendeu que não é certo conseguir as coisas com a força e que isso pode levar a um cartão amarelo. No jogo e na vida. Aprendeu sobre falta, escanteio e intervalo.

No jogo contra o México, aprendeu a ter paciência. Entendeu que, por mais que a gente tente, às vezes,  não é o dia. Mas que tem que continuar tentando.  No jogo contra Camarões, aprendeu com a irmã que até de uma comemoração a gente pode sair machucado. Com o Chile, aprendeu que não se pode “cantar” a vitória antes do tempo e que muitas vezes a gente passa muito aperto para conseguir o que quer.

Começou o jogo contra a Colômbia odiando o prodígio James Rodriguez. Terminou nem lembrando quem ele era, por conta de um outro colombiano cujo joelho encontrou a vértebra do nosso camisa 10. Aprendeu, assim, que tudo muda, às vezes, de um minuto para o outro. Aprendeu que qualquer um pode errar. Até o capitão-ídolo Thiago Silva. E que a gente deve  pagar pelos nossos erros.

No jogo contra a  Alemanha ela aprendeu a sofrer. Talvez tenha aprendido ali o sentido da palavra decepção. Chorou, reclamou, perdeu as esperanças depois do terceiro gol. Viu de perto o que é desistir. Mas aprendeu também que uma vitória precisa de muito mais do que torcida e vontade. Precisa de preparo, de estudo, de treino. Precisa de suor e às vezes até de dor. Precisa de um caminho, de orientação. Precisa de calma, precisa de equilíbrio. Precisa de ajuda, cooperação, integração.

Aprendeu que nem sorrisos e nem lágrimas ganham jogo.

Aprendeu que a sorte pode acordar com um lado ou com o outro, mas não faz quase nada sozinha.

Aprendeu, ainda, que, por mais que se perca,  a gente deve continuar sonhando com a Vitória. E, principalmente, que a gente pode ganhar de maneiras diferentes, independentemente do placar final.



abril 09, 2014

Passeio de Bicicleta.

Passeio de bicicleta no domingo de manhã parece  a vida. A gente começa super animado. Arruma tudo, prepara garrafinha de água, passa filtro solar, coloca boné. E então, na primeira subida a gente cansa. Quando chegam as descidas, a vontade é aproveitar o vento no rosto sem pensar no resto. Mas aí a gente lembra que, se está descendo e aproveitando, uma hora vai ter que subir. Sempre vai ter a volta.

Na volta,  a melhor descida vai representar a subida mais penosa.  E a gente quase desiste de descer quando pensa nisso.  Mas acaba indo. Depois a gente encontra força para voltar.

O problema é que, nessa hora, a água da garrafinha  já acabou, o calor já está castigando e as subidas ainda estão pela frente. Mas aí a gente lembra  que as subidas da ida agora serão descidas e acaba se agarrando nisso. E vai.

O engraçado é que ,às vezes , a gente  acha a subida tão grande, mas, quanto mais perto, menor ela fica.  Ou pelo menos parece ficar.  Ou a gente vai ficando mais forte.

 A cada domingo as distâncias vão ficando maiores, e o fôlego cresce na mesma proporção.  E aquela subida penosa, com o tempo, é somente um desafio a mais a ser superado.  Como na vida mesmo.  Os desafios podem ser grandes e altos, mas a gente sempre encontra força para conseguir.


março 06, 2014

Meu time.


Nunca fui boa em esportes. Na escolha dos times, eu ficava sempre por último e era escolhida quando não existia mais opção. E sempre sob um  suspiro misto de desapontamento e resignação  das “capitãs”do time. Sempre foi assim. Acho que até hoje seria, se eu ainda me dispusesse a praticar algum esporte coletivo. Exímia torcedora e até crítica, mas nunca uma jogadora, ao menos, regular. Tinha medo da bola, da trave, da cesta, do adversário.

Só nunca tive medo da caneta, das palavras,  dos cadernos, blocos, livros e hoje, das telas do computador. Talvez porque nesse jogo, eu enfrente apenas a mim mesma. Talvez porque nesse esporte eu não tenha adversários senão aqueles que eu mesma criei e, por isso, conheço exatamente a força e sei a hora que vão me jogar no chão.  Medo de gente? Acho que não é o caso.  Medo de conflitos?  Não. Até porque a palavra talvez os aproxime mais do que a bola.  É falta de jeito mesmo. Falta de coordenação motora. Noção de espaço físico.

Melhor assim. Prefiro que a noção que me falte seja mesmo a de espaço físico. E que me sobre a noção do  tempo,  de cuidado, do que é razoável, e, principalmente, de felicidade.

Que me faltem gols, mas não me faltem vitórias.
Que me faltem cestas, mas não me faltem sorrisos.
Que me faltem pontos, mas não me faltem palavras.

Que eu continue torcendo.
Que eu possa até tentar de novo, se sobrar coragem.
Que eu possa me arrepender de ter tentado, se tudo for igual.
Que eu possa vibrar, se tudo for diferente.
Que eu não seja mais a última escolhida do time. Ou que seja.
Mas que, no jogo de todos os dias, eu possa e saiba escolher.
E que o placar, no fim das contas, continue me fazendo bem.

fevereiro 07, 2014

No Plural.

Não sei  os porquês, mas hoje acordei no plural. Nos plurais.
Horas passadas pensando em coisas que são mais de uma.
Em tudo hoje, quero mais de um. 
Hoje  os pensamentos serão exagerados.
Todos no coletivo.
Colmeia, Matilha, Biblioteca.
Exército, Enxame, Enxoval.
Coletânea, Cardume, Cambada.
Nenhuma unidade. Tudo em Cachos.
Nenhuma flor. Muitos buquês.
Antologia.
Arquipélago.
Muito de tudo.
Um bando de coisas.
Coletânea de sorrisos ou revoada de memórias.
O que for, desde que seja mais do que já foi.
O coletivo do que já é plural.
Plurais.
Tantos. Quantos.
Muitos. E sempre.
E se amanhã eu acordar singular, volto atrás.

Quantas, muitas e tantas vezes for preciso. 

fevereiro 02, 2014

Uma e Outra. E eu.

Uma se preocupa com a dificuldade que a matemática vai apresentar nesse ano escolar que se avizinha (ou já tocou a campainha?) e em criar uma assinatura que possa usar em seus desenhos que me impressionam mais a cada dia.

A outra se preocupa com as horas que ainda faltam para chegar a próxima terça-feira, afinal,do alto de seus sete anos, esperar quarenta e oito horas já se mostra um grande exercício.

Uma escolheu a mochila da Bela para enfrentar as feras que todo ano aparecem para qualquer um de nós. A outra só colocou um lenço novo na mochila do ano passado, afinal, sustentabilidade e consumo consciente também estão no conteúdo programático do ano letivo.

Uma tem Miguel de Cervantes na lista de leitura complementar. A outra escolheu ursinhos com laços cor-de-rosa para enfeitar os cadernos. Uma já criou um quadro para deixar o horário de aulas a vista. A outra quer saber se a turma vai continuar a mesma.

O desafio de uma serão as equações. Da outra, a tabuada. O meu? Todos estes e mais alguns. Hoje somos três  ansiosas. Ao final da semana, provavelmente, só uma. Aquela cujo coração nunca mais se aquieta depois do exame positivo. Aquela que carrega todas as ansiedades e todas as alegrias de todas as idades. Aquela que aprende (de novo!) a resolver as mais complicadas equações para ajudar a estudar para as provas. Aquela que volta a conhecer os detalhes da era cenozóica e da capital do Amapá. Aquela que volta a saber de cor os afluentes do Rio Amazonas e o clima da região centro-oeste. E que descobre, a cada dia, que viver isso tudo de novo é ainda melhor.