julho 23, 2011

Rodízio da Vida.

Novidades culinárias nem sempre me agradam. Meu paladar é, ainda, de criança. Pipoca, brigadeiro, macarrão, pizza, banana. Troco fácil, fácil um cordeiro ao molho de ervas por um queijo-quente. Mas, como tudo muda (graças a Deus), às vezes me habituo a um novo sabor. Bom, foi assim com a comida japonesa. Quando o mundo todo começou a enjoar, eu resolvi experimentar. E gostei. Gostei muito, para dizer a verdade. E, então, como acontece com toda (ou quase toda) comida que vira moda, criaram o rodízio de comida japonesa. Não me parece nem um pouco herança da cultura japonesa, mas a ideia é bastante sedutora. Está tudo à disposição, por um único preço. Basta pedir. E comer. E foi aí que a coisa me pareceu ainda mais interessante.

Ao contrário do que acontece em outras espécies de rodízio, no de comida japonesa, o que você pedir e não comer, tem que pagar. Nunca pensei em tamanha sensatez. Me lembrei de todas as vezes em que vi pratos e pratos de carne intocadas ou de pizzas das quais apenas uma mordida foi dada indo para o lixo em infindáveis rodízios. Aquele pensamento de uma cultura atrasada que leva ao terrível argumento de que "se eu paguei, é meu. Eu tenho direito, nem que seja para jogar fora."

No rodízio de comida japonesa não. Pede-se o quanto quiser, mas nenhum exagero ou desperdício. Se não comer, tem que pagar. Ou seja, o preço continua único, come-se o quanto quiser ou puder, mas nenhum pedido é feito sem que o bom-senso de cada um seja ativado. Completamente diferente. Sensato. Está à sua disposição, mas você deve pegar o quanto precisa, nem mais, nem menos.

Assim, penso eu, poderia ter agido Deus ao criar o mundo. Deveria ter deixado tudo à disposição do ser humano, mas só poderíamos usufruir daquilo que realmente fosse necessário. Se houvesse desperdício ou o uso errado do que estivesse a nossa disposição, pagaríamos o preço. Enfim, poderíamos ter tudo, mas somente o tudo que nos fosse necessário. Se pedíssemos a mais, arcaríamos com as consequencias. Ele estaria ali, pronto para ouvir os nossos pedidos e providenciá-los da melhor forma possível, mas deveríamos saber pedir, ativar o bom-senso, pensar no antes, no durante e no depois. Pediríamos com cautela, pois, apesar de todos termos pago um valor único por tudo aquilo, algumas contas seriam acertadas somente no final, quando o jantar - ou a vida - tivessem chegado ao fim.

Pensando melhor, acho que foi exatamente assim que ele agiu. E age. Está tudo aqui, aí, a nossa disposição. O preço único por tudo isso já foi pago. Podemos e devemos pedir. Talvez a nossa grande dificuldade seja exatamente descobrir o que é, de fato, necessário e o que será desperdiçado.

Se Deus é sensato - e é no que eu acredito - age exatamente como no rodízio de comida japonesa. A intenção não é punir, é simplesmente equilibrar, permitir que as coisas aconteçam da melhor forma possível, sem sacrifícios, sem exageros, sem desperdícios.

Saber o que pedir, quando pedir e quanto pedir. Talvez seja esse o segredo. Ele não hesitará em conceder, mas, a conta, no final, será de nossa responsabilidade...

julho 13, 2011

Desconfiança.

Interessante o ser humano. E sórdido, muitas vezes. Falamos de forma tão natural sobre o perdão mas não sabemos como agir quando precisamos perdoar. É claro, estou falando dos erros dos outros porque os nossos erros são extremamente "perdoáveis", afinal, nunca fazemos por mal. Nunca erramos para machucar alguém ou para espalhar o mal, semear a discórdia, criar conflitos. Nós não. Os outros sim. Os erros dos outros são sempre piores. Claro, os outros não são tão bem intencionados como nós, assim, como que por óbvio, é tão mais fácil perdoar-nos. Se estivéssemos na pele dos outros, nos perdoaríamos facilmente. Afinal, nunca são graves assim os nossos erros.

Os erros dos outros, ao contrário, merecem uma (des)atenção maior. Será que é verdadeiramente possível perdoar os outros por completo? Eu achava que sim. Passei a desconfiar. Aliás, hoje, tenho quase certeza de que o perdão só existe para os nossos erros. Falo de perdão sincero, pleno. Porque o perdão superficial, aquele que aparece mas guarda com ele os erros cometidos, acho até que é fácil conceder. Esse perdão fácil  permite a convivência, mas impossibilita a entrega. Perdoando assim, estamos sempre desconfiando, vigiando, acusando, perseguindo, humilhando, massacrando, machucando. Só assim nos sentimos resguardados de verdade para convivermos com quem errou. Afinal, não podemos permitir que o erro aconteça de novo. E de novo, e de novo. Nos preocupamos tanto com a possibilidade do erro voltar a acontecer (e com razão, afinal, foi um erro) que esquecemos de viver. O perdão fácil mata o amor, mata a amizade, aniquila a alegria da convivência, sufoca os sentimentos mais bonitos. Mata porque domina. Mata porque segura. Mata porque desconfia. Mata.

O erro também mata, certamente. Mata a confiança, mata a cumplicidade. Mata o amor? Não sei. Mas começo a desconfiar que sim. Uma leve desconfiança, até porque não conheço alguém que errou apenas poucas vezes na vida. Se vivemos, erramos. Se vivemos, convivemos com erros. Os nossos e os dos outros. Assim, se o erro matasse o amor, não amaríamos mais. Sequer seríamos amados.

Como não queremos deixar de amar e nem de sermos amados, não podemos permitir, então, que o erro mate o amor? Talvez a solução seja uma vida sem erros. Uma solução digna, perfeita. Mas matematicamente impossível. Conclusão exata, a única sem margem de erro. Não errar é impossível. Se conviver com o erro não é uma opção, permaneço com a dúvida: Perdoamos e amamos ou vivemos e matamos o amor?

Quando o erro é nosso, a escolha parece certa: Perdoamos e amamos. Quando o erro é dos outros, tendemos a matar o amor. Matar o amor é mais fácil e menos dolorido. Afinal, podem existir outros amores para substituir aquele que foi assassinado. Perdoar é, de longe, o mais difícil. Mais nobre, talvez, mas infinitamente mais difícil. Até porque AMAR é difícil. Tão difícil que acaba me levando, também, à desconfiança do próprio amor. Sim, porque se o perdão fácil e superficial mata o amor, então o amor não supera tudo. Supera tudo menos o erro? Então não podemos dizer que supera, porque não existe vida sem erro. Mas existe vida sem amor?

Bom, se existe, não é a que desejo. Não é a que eu posso viver. Não é a que eu escolhi viver. Eu escolhi viver com amor, por amor. Não foi a escolha mais fácil, mas foi a minha. A escolha na qual eu acredito. Sem desconfiança.