Uma figura mansa, mas firme. Uma figura que inventava apelidos e fumava Charm. Que usava suéter azul marinho com gola V e cantarolava Beth Carvalho. Que brincava com a mesma facilidade que falava sério e tratava minha mãe com uma delicadeza e um amor que eu não saberia dizer que vi em outro casal. Generoso, espirituoso, grisalho desde muito cedo. Um jogador de baralho que eu nunca vi perder. Só o Flamengo lhe tirava a calma. Uma letra linda, que enfeitou as capas dos meus cadernos até a segunda série. Comprou um vídeo cassete quando grande parte dos aparelhos de TV ainda eram em preto e branco. Fez do vídeo game um companheiro para a solidão da doença que o consumiu. Nem doente parecia triste. Já em sua última vez no hospital, recebeu a mim e ao meu irmão com bombons.
Uma figura que me ensinou a paciência. No baralho e na vida. Me ensinou que a maioria dos problemas da vida se resolve com boa-vontade e bom-humor. Me ensinou que a vida pode ser leve, que sorrisos e gentileza transformam o ser-humano. Me ensinou que precisamos cultivar o que nos faz bem. Me ensinou a oração de São Francisco, que, até hoje, me conforta. Me ensinou que, às vezes, não há nada o que fazer, a não ser aceitar. E que, mesmo nessas horas, a gente ainda tem muito o que agradecer.