junho 28, 2011

Escrever um livro, ter um filho, plantar uma árvore - Parte II


Ter um filho. Decisão muito mais complexa. Não basta dedicar algum tempo para plantar, regar e podar. É preciso dedicar a vida e transformar todas as nossas vontades em outras. É preciso deixar uma vida inteira de lado, ainda que por um tempo, para dedicar-se à vida de outra pessoa. Poesia pura, realidade muito diferente.

As decisões são muito mais profundas e impactantes. Estou preparada para sentir todo o desconforto da gravidez e seus sintomas em função de um outro alguém? Sim, porque toda a literatura obrigatória para se ler na gravidez e ao dar à luz somente fala naquele momento mágico de olhar pela primeira vez o rostinho daquela criança e transforma o enjôo matinal e as dores nas costas em provas da fortaleza de uma mulher: Veja como você é forte! Veja o que você consegue fazer! Perceba como é incomparável! Agüente firme!

Ter um filho é a coisa mais contraditória pela qual eu já passei. No momento em que minha primeira filha nasceu, o meu primeiro pensamento foi: Aonde estão as minhas asas? Cadê meus super-poderes? Quando eu começo a ouvir pensamentos e prever acontecimentos? Já consigo fazer um jantar? E um bolo de aniversário? Quantas pessoas vão ficar ao meu lado o tempo todo para que eu possa dar conta de tudo? Aonde é o botão de desligar?Posso desistir disso?

Não vou mentir. Não ouvi sinos tocando, borboletas voando, não senti o coração dela batendo no mesmo compasso que o meu. Me senti muito culpada por não ver nascer em mim aquela mãe idealizada de um minuto para o outro. Sofri muito para amamentar. O maior milagre da natureza para mim não foi amamentar as minhas filhas, mas sim descobrir como elas dormiam bem depois de tomar leite em pó. Nunca acordei feliz da vida às duas da manhã, tendo dormido à uma. E, sinceramente, tenho grandes dúvidas quando ouço uma mãe dizer que antes do filho sentir fome ela já está de prontidão, feliz da vida. Talvez o problema seja comigo, é bem provável.

E algum tempo depois, quando as coisas começam a chegar no lugar novamente, quando as noites já podem ser dormidas, quanto o contato com o mundo exterior retorna, quando a fase das visitas solícitas acaba, você descobre que o pior não passou. Espere a primeira virose. O primeiro tombo. A primeira pirraça sem qualquer motivo. E a segunda. E a terceira. E a quarta. Espere as pessoas te dizendo o que você deve fazer e o que você não deve fazer. Cada um tem um conselho diferente e, muitas vezes, estranho. Vire a criança de ponta a cabeça no berço quando ela não quiser dormir a noite. Coloque uma linha molhada na testa para ela parar de soluçar. Passe azeite na assadura. Agasalhe a criança. Esse choro não é por causa de calor?

E você, sem que ninguém te avisasse com antecedência, se torna outra pessoa. Uma pessoa que não pode comer qualquer coisa, para não dar cólicas no bebê. Uma pessoa que não deve falar alto, que não pode falar besteira. Alguém que tem que assistir o Jornal Nacional em silêncio, que deve gostar de musica clássica, odiar feriado, falar mal dos políticos, achar os programas de TV absurdamente fúteis e maléficos para a sociedade, que não pode estar em casa antes do sol se por nos dias úteis. Alguém que precisa exigir que a casa esteja em ordem, que a alimentação seja saudável. Alguém que começa a se preocupar com que tipo de sol a casa pega. Sol da tarde? Sol da manhã? Acredite, quando isso começar a ser importante para a compra da sua casa, você virou esse alguém. Você virou o alguém que manda tomar banho, escovar os dentes, que pergunta o sobrenome dos amigos, que reclama das roupas, da música, do quarto desarrumado, da toalha em cima da cama. Você cresceu. Cresceu como aquela árvore.  Aquela mesmo, aquela que você plantou para se tornar completo. E o curioso disso tudo é que, quando nos tornamos esta árvore crescida, somos responsáveis únicos pelo crescimento da outra arvorezinha que já nasceu chorando...



O choro é um capítulo a parte. Filhos choram por sede, fome, frio, calor, dor, tédio, cansaço. Choram porque estamos longe. Choram porque estamos muito perto. Choram. Simples assim. Não duvide, o bebê vai chorar. E essa estória de conhecer o choro? Choro de fome, choro de cólica, choro de pirraça  e mais algumas 2.500 variações.  Tudo bem, nós, mães temos a inegável e invariável necessidade de dizer (e mostrar) que conhecemos nossa cria melhor do que ninguém, que o choro somente vai parar quando nós agirmos. A verdade? Do mesmo jeito que o choro começou, ele vai embora. Esteja o bebê com a mãe, com o pai, com a babá ou com a diarista que sequer o conhece. A receita que eu aprendi com as minhas duas filhas é a de ter paciência com o choro. Se a criança não está doente, já se alimentou e está em uma temperatura normal, a única coisa que podemos fazer é esperar. Cantando, embalando, de qualquer forma o choro vai parar.

E é exatamente nessa hora que reconhecemos o valor – ou o tamanho – da paciência que já exigimos de alguém quando éramos nós os protagonistas do choro. Os filhos vão crescendo e a gente vai aprendendo...

Todo mundo diz por aí que ter filhos é a melhor coisa do mundo. Eu sinto, é verdade, um amor incondicional recíproco. Acho que esse é o melhor sentimento do mundo. Indescritível. Indescritível porque ambíguo, contraditório, egoísta, sobrenatural. Chega a ser esquisito. Levante a primeira pedra a mãe que nunca sentiu uma pontada de arrependimento em um domingo a tarde, após um almoço daqueles, quando pensava em se dirigir diretamente para o paraíso cama-travesseiro-edredom-ar condicionado-Tv a cabo, mas foi parada por um incessante pedido: _”Vamos brincar?”. Ou quando planejou uma viagem maravilhosa, e, ao entrar no carro, após a primeira curva, se vê completamente suja em razão do enjôo que acometeu o pequeno?

Os exemplos seriam muitos. Mas nada se compara à realidade que aguarda uma mãe. Encontrar uma babá, atender um milhão de telefonemas durante um dia de trabalho estressante, comprar sapatinhos lindos que serão utilizados uma única vez e que custam o mesmo que aquela peep toe preta que você anda namorando, ouvir a palavra Mãe cinco vezes por minuto, sem qualquer motivo, ser acordada em uma terça-feira de uma semana ocupadíssima no meio da noite para levar o pequeno ao banheiro e, claro, não conseguir dormir mais depois, assistir ao mesmo filme três vezes por noite (no mínimo) e depois não conseguir tirar aquela musiquinha da cabeça por semanas, chegar em casa e encontrar aquele seu estojo edição limitada de maquiagem da Dior em pedaços e, naturalmente, também em cima do edredom branco da sua cama, constatar que o sofá pago em várias vezes está mais sujo do que o tapetinho da entrada, encontrar a parede recém-pintada cheia de rabiscos coloridos e escritas espelhadas, viajar depois de todo mundo por causa de uma apresentação na escola marcada justamente para aquele dia e tantas outras experiências por quais somente as mães e os pais passam.

Esse brinquedo não vem com manual. Ás vezes tenho a nítida impressão de que ter filhos é uma loucura. Eu, por exemplo, enlouqueci duas vezes. Na segunda vez, cheguei a pensar, já na mesa de cirurgia: “Não acredito que fiz isso de novo”. Mas devo confessar que foi bem mais fácil. Eu já sabia que o céu não se abriria para me trazer a luz divina, a sabedoria plena. Eu já sabia o que me aguardava. E mesmo assim, ali eu estava de novo. E novamente, sem manual. Ser mãe poderia exigir curso superior específico, aprovação em exame de proficiência, mestrado e doutorado. Tudo com uma grade curricular ampla. Noções básicas de fisiologia da Grávida (indispensável a presença dos pais nesta disciplina). Teoria da Paciência I. Primeiros Socorros. Introdução à nutrição saudável. Recreação Básica. Recreação Avançada. Teoria da Paciência II. Estudos Avançados de Psicologia. Técnicas Avançadas para Contratação de Auxiliares. Teoria da Paciência III. Teoria Geral do Ouvir e Não Falar. Crianças em espécie. Classificação de Pirraças. Teoria da Paciência IV. Técnicas de Jejum e Autocontrole. Diálogos I. Teoria da Separação. Teoria da Paciência IV. Diálogos II. Tudo isso, é claro, sem levar em consideração a leitura complementar obrigatória.

Sem ilusões, tudo muda. Nosso corpo, nossos horários, nossos prazeres, nosso orçamento, nossos relacionamentos, os lugares que frenquentamos. Sim, porque tenho absoluta certeza que pais trocam qualquer prato preferido por um restaurante que tenha parquinho ou recreadores. Aliás, arrisco dizer que alguns restaurantes e hotéis aumentariam seu faturamento em setenta por cento se pensassem um pouco na necessidade que as mães tem de almoçar com calma de vez em quando.

Então, porque a decisão de ter um filho? Porque somos mais felizes assim? Porque queremos viver “para sempre”? Pela necessidade de sermos incondicionalmente amados? Pelas convenções sociais? Para não ser diferente? Para ter uma razão de viver? Talvez por tudo isso junto, talvez por nenhuma dessas razões.

Questionamentos filosóficos à parte, o fato é que as mulheres precisam ser avisadas do que é ter um filho. Muitas vezes tenho a nítida impressão de que foi feito um pacto secreto – do qual eu não fiz parte – uma espécie de Concílio do Vaticano das mães, nos quais elas definiram determinados critérios e juraram passá-los para frente a qualquer custo. E cumpriram. Como uma sociedade secreta digna de um Best seller do Dan Brown. Após muitas deliberações as mães decidiram que falariam para sempre que ser mãe é a melhor coisa do mundo, que nada se compara ao sorriso de um filho, que todas as mães são felizes, que todas já estão no paraíso. Padecendo, mas estão. 

Com ou sem essa sociedade secreta, ser mãe é muito mais do que a melhor coisa do mundo. É muito mais do que padecer no paraíso. É muito mais do que qualquer desses clichês. Ser mãe é ser de novo, nascer de novo, criar (ou pelo menos tentar) um EU melhorado. Um EU que não é mais sozinho. Um EU que é capaz de qualquer coisa por outro EU. Um EU divino. Imperfeito, mas divino.

junho 16, 2011

Igualdade desigual.

É coisa de mulher mesmo. Com o perdão das feministas de plantão, a igualdade entre os sexos não pode ser exigida. Não pode ser exigida porque não existe. Simples assim. Respeito plenamente  quem possui outra opinião, mas homens e mulheres são, definitivamente, muito, mas muito diferentes. Nas aulas da faculdade, uma das primeiras coisas que aprendi no Curso de Direito foi o Princípio da Igualdade, ou seja, todos são iguais perante a Lei e não pode haver distinção de qualquer natureza. Claro, depois de aprendermos a regra, vem a exceção: Para que exista, realmente, a igualdade, precisamos tratar os iguais com igualdade e os desiguais com desigualdade. Princípio que qualquer aluno do primeiro período do Curso de Direito conhece. Diante disso, mulheres e homens não podem ser tratados da mesma forma. Não mesmo.

Ao pararmos em um posto de gasolina para abastecer o carro hoje pela manhã, meu marido, depois de fazer aquele cálculo que todo homem conhece, me mostrou, cheio de orgulho, um número na calculadora do celular: 8,677859, ao algo parecido. Eu, do alto da minha desigualdade e, não querendo estragar o seu momento que parecia tão glorioso, apenas sorri. Ele continuou dizendo que a média do carro foi muito boa e que, em um outra viagem que fez a média havia sido um outro número enorme desses. E ficou alguns bons minutos falando sobre o que influencia o gasto de combustível, etc, etc, etc. Eu ouvia tudo, mas, ao mesmo tempo, pensava sobre essas diferenças que as pessoas teimam em tentar descaracterizar. Eu dirijo, o combustível acaba, eu abasteço. Acho um absurdo o preço do combustível, reclamo, mas abasteço e continuo. Ele não. Faz todos os cálculos, divide uma coisa pela outra, compara com o último abastecimento, também acha um absurdo o preço do combustível, reclama, mas também abastece e também continua.

E eu, por meu turno, quero a atenção dele para me dizer se aquela cor de base está muito clara, qual sapato fica melhor com aquele vestido, se as luzes no meu cabelo ficaram boas. Vejo claramente que ele pensa: Que luzes? Não vejo nenhuma diferença. Mas ele diz que sim, ficaram boas.

Eu não entendo porque ele precisa comprar todas as ferramentas necessárias (e outras nem tão necessárias assim) para fazer o jardim e lavar o carro, se, normalmente, paga alguém para fazer as duas coisas. Ele não entende porque eu preciso de uma bolsa estruturada de tamanho médio para este inverno. Eu não entendo como ele pode perder horas a fio em frente à televisão assistindo perseguições de carro, ou os acidentes mais trágicos do mundo. Ele não entende para que eu quero um sapato rosa pink e outro rosa claro, para que tanta maquiagem, para que tanto creme. Eu não entendo a preguiça que ele tem de se barbear, ele não entende porque eu tenho preguiça de viajar   (na verdade, de arrumar malas).

Como ele consegue ficar horas conversando sobre os cilindros do carro, turbo, bi-turbo, qual velocidade que o carro alcança em qual tempo? Na minha opinião, se temos um limite de velocidade para ser respeitado no trânsito e na estrada, para que ter um carro que corra mais do que isso?

Como eu consigo ficar horas conversando sobre esmaltes, tons de blush, decoração e um hidratante que mantém a pele hidratada por até 24 horas? Na opinião dele, se eu vou tomar um banho em, no máximo, oito horas e passar novamente um hidratante, para que um que hidrate por 24?

Ele não entende como eu posso gostar tanto (e precisar) de um chocolate. Eu não entendo como ele pode gostar tanto (e precisar) de um vinho. Eu não concordo que ele compre uma moto. Ele não concorda que eu compre outra bolsa. Sim, porque a essa altura, já não quero mais a estruturada marrom de alguns parágrafos atrás. Coisa de mulher. Não acredito que exista alguma mulher no mundo que não goste de ser cuidada, que não goste de receber flores, que não goste de roupa nova, perfume diferente.

Somos iguais? Perante a Lei, sim. Perante o coração um do outro somos completamente diferentes. Entender a diferença é tarefa para poucos, exige desapego, concessão, ou, às vezes, pelo menos um sorriso de cumplicidade, que independe de qualquer nível de compreensão e entendimento.

junho 08, 2011

Escrever um livro, ter um filho, plantar uma árvore.

1.     Já li e ouvi muitas vezes que o ser humano se encontra completo, pronto, acabado quando escreve um livro, tem um filho e planta uma árvore. Não sei quem enumerou estas prioridades, tampouco se elas tem realmente o poder de completar alguém. O fato é que vale a pena avaliá-las. Por que? Talvez pelo mesmo motivo pelo qual se deve acreditar nelas. Nenhum, em especial. Mas às vezes a vida ensina que não é nas coisas especiais que encontramos o maior de nossos desejos, a felicidade plena.

Plantar uma árvore. Talvez o mais simples, talvez o mais significativo. Antes de mais nada precisamos decidir que tipo de árvore plantar, saber se aquela planta sobreviverá às condições climáticas, geográficas e humanas do local escolhido. Saber se aquela árvore poderá oferecer sombra, frutos ou pelo menos uma beleza  a mais naquela paisagem. É preciso também avaliar a melhor época do ano para plantá-la, pois as sementes também tem o seu tempo. Precisamos também avaliar quem serão o seus vizinhos de solo, se aquele meio é propício para o crescimento daquela planta.

Depois de plantada, para que a árvore venha a florescer, é preciso acompanhar. Regar, adubar, proteger. É preciso podar também, mesmo que isso doa no coração de quem plantou. É para o bem da árvore, afinal.

E, mesmo tomando todos estes cuidados, a árvore pode ou não florescer. Talvez porque a semente não era perfeita ou porque negligenciamos algum cuidado importante, ou, ainda, porque uma outra pessoa decidiu que ela não deveria estar ali. Quem sabe a árvore não precisou ser cortada para a passagem de uma estrada? Ou pegou fogo quando atingida por um carro? Por um outro lado, árvores enormes e lindas crescem sem qualquer cuidado, sequer se tem notícia de quem as plantou ou se alguma vez já foram adubadas. É a natureza fazendo a sua parte.

Plantando uma árvore, deixamos, ainda que involuntariamente, uma marca na natureza. Mudamos a paisagem do mundo. Fazemos sombra, mostramos beleza e até alimentamos alguém. Talvez por isso plantar uma árvore seja uma destas três atitudes humanas que não podem ser esquecidas. É a forma da natureza mostrar para o homem os seus caprichos, a sua bondade, a forma de ensinar a ser paciente, a respeitar um ritmo que não seja o nosso, a cuidar e não apenas ser cuidado. E, talvez, apenas talvez, seja a forma da natureza dizer que apesar de todo e qualquer esforço, outras vontades precisam ser respeitadas.

Se eu já plantei uma árvore? Não que eu me lembre. Mas se for para aprender tudo isso, devo conseguir a semente amanhã mesmo.