novembro 27, 2013

Uma flor na mesa de centro.

Tenho sentido meu coração apertado. Aquele tipo de sentimento que vira físico. Aquele tipo de sentimento que, muitas vezes, a gente nem sabe porque está sentindo. Aquele que a gente fica remoendo, tentando digerir, tentando explicar. Até que percebe que não tem explicação. E talvez seja melhor assim. 

Talvez um coração apertado funcione melhor. Quando o espaço é pequeno, a gente tende a escolher o que guarda. Um coração apertado não tem espaço para qualquer coisa. Não dá para guardar um entulho de emoções, de lembranças, de preocupações. A gente só guarda o essencial. Aquilo sem o qual não sobreviveríamos. Acabamos por escolher melhor o que será mantido. Guardamos o que usamos, de fato. Como numa arrumação de uma gaveta ou de um guarda roupas. Não adianta guardar aquela calça preta que, apesar de incrível, não veste mais como antes. Não dá para insistir no iluminador da Chanel comprado há dez anos atrás que já não ilumina mais e já causa até alergia. É Chanel, mas também estraga. 

Emoções também estragam. Passam do ponto. Preocupações, então...Arriscaria dizer que essas já nascem com prazo de validade expirado. É preciso passá-las pra frente, pra outros, pra ninguém. É preciso arrumar melhor um coração apertado. Como aqueles apartamentos Nova Iorquinos de trinta e cinco metros quadrados que parecem conseguir guardar o mundo e ainda ter um vaso flor na mesa de centro. 

É isso. Quero meu coração apertado, mas com flor na mesa de centro. Gérberas ou margaridas, de preferência. E tela colorida na parede. É aquela história de funcionalidade. 




outubro 28, 2013

Querido Sono,



Sempre vivemos uma relação estranha. Desde sempre você não costumava cumprir seus horários comigo. Prometia e não cumpria. Quantas vezes te esperei, em claro, e você não aparecia. Crueldade isso, sabia? Enquanto te esperava, tantos pensamentos iam e viam, muitas vezes transformando brisas em tempestades, fabricando monstros e construindo diálogos intermináveis que nunca chegaram a acontecer.

Era ainda pior quando você aparecia pra todo mundo, menos pra mim. Eu me sentia como uma criança desobediente que não recebia a visita do Papai Noel. Eu acabava com todos os livros da casa, ouvia toda a programação da rádio até que o Benito de Paula cantasse "Sinal Verde" à meia-noite (era assim que a programação chegava ao fim) e assistia a TV até que ficasse fora do ar. Não tínhamos TV por assinatura naquela época e eu chegava a assistir um programa de vendas do Sílvio Santos chamado Tele Sisan. Olha a que ponto você me fazia chegar, Sono! 

Houve um época em que eu nem queria que você chegasse mesmo. Quando comecei a usar a internet. Ainda discada, conexão horrível.Um fio enorme que eu tinha que ligar na tomada do telefone. Mas tinha o tal do freetel. Acho que era isso mesmo. Um quadrado preto, em que a gente escrevia com letras verde fluorescente do lado esquerdo e a pessoa respondia no lado direito. E a conexão  sempre caía na melhor parte do papo. Sempre.

Mas mesmo com o freetel, uma hora você fazia falta. Muitas vezes, na hora errada. Quase sempre. Quando eu já não mais te esperava, você chegava. Me pegava desprevenida e acabava me seduzindo, mesmo sem eu querer. Outras vezes eu não podia te fazer companhia, não queria te ver nem pintado a outro. E parece que era nessas horas que você mais queria atenção. Lembra da época da dissertação do mestrado? E do nascimento das meninas? Era nessas horas que você fazia questão de chamar minha atenção, como uma criança mimada diante de pais viciados em trabalho. Acho que você precisa de terapia, Sono. 

Já está na hora de crescer. De respeitar regras, horários. Você já está bem grandinho para rebeldias. E já deveríamos ter passado da fase dos conflitos. Não é de bom tom aparecer sem avisar. Você conhece perfeitamente meus horários disponíveis. E não se deixa uma dama esperando. Combinou, apareça. No horário. Sem desculpas esfarrapadas. Não permita que as enxeridas da dona ansiedade ou da senhora preocupação te atrasem. Compromisso é compromisso, Sono. 

Te espero hoje à noite. Na mesma hora e no mesmo local. 

Estamos combinados?

Qualquer coisa, me ligue. Você tem meu telefone.

Um beijo,

Renata.

outubro 16, 2013

Caráter.

Tenho medo do caráter das pessoas.
Será que muda? Será que cria?
Será que o mundo pode enfraquecer o caráter de alguém?
Será que o amor pode fortalecer?
O caráter é relativo?
É possível ter bom caráter com algumas pessoas e nem tão bom com outras?
É possível ter caráter pela metade?
É possível ter caráter por inteiro, o tempo todo?
Posso vender caráter? Mas quem tem, o venderia? Ou doaria?
Mas se alguém doar, corre o risco de ficar sem?
Caráter se ensina? Ou se aprende?
Um apaixonado pode ter bom caráter? E um faminto?
Devo ser mau-caráter com quem é mau-caráter?
O certo é ter bom-caráter ou ser bom-caráter?
Caráter tem a ver com justiça ou com bondade?
E com felicidade?
Caráter acaba? Funciona? Ajuda? Abre? Fecha?
É bom? É caro? É intenso? É hábito?
É consequência?
É de comer?



outubro 09, 2013

Rezando.


Todos os dias, ao acordar, ele se senta na cama. Mesmo ainda deitada, naquele sofrido momento entre o acordar e o acordar de verdade, sinto que ele já acordou e, sentado na cama, reza. Fico pensando para o que e por quem ele reza, pelo que ele agradece. Fico rezando junto, pedindo também para que as preces dele sejam atendidas. Não penso, naquela hora, em pedir nada, além dos pedidos dele. Em um egoísmo reconhecido, sinto que se os pedidos dele forem atendidos, os meus também serão. Sinto que o que o faria feliz também me basta. Como se as felicidades se misturassem e eu já não pudesse mais identificar qual é a felicidade dele e qual é a minha. Talvez seja isso, o amor. Quando as felicidades coincidem, mesmo que a gente não saiba exatamente, o que faz o outro feliz.

Talvez ele não saiba, mas aquela prece também é minha. E a minha fé é alimentada pela fé dele, todos os dias de manhã.


setembro 10, 2013

Querida Lua,

Querida Lua,

Ontem fiquei te olhando ao voltar para casa. Você parecia sorrir. Parecia, não. Sorria mesmo. E eu fiquei me perguntando o porquê do seu sorriso. Seria pra mim? Eu queria acreditar que sim. Como um prêmio pela segunda-feira vivida, trabalhada, aprendida, treinada, vencida. Gostei de saber que você estava ali comigo.

Sabe, Lua, eu sempre te admirei. Sua beleza e sua cor sempre me encantaram. Mas o que me encanta mesmo é a sua capacidade de se renovar tanto. Você está sempre crescendo. E quando cresce tudo o que pensa que poderia crescer, dá um jeito de se esvaziar novamente e se renovar. Como se quisesse tentar de novo, sempre. Como se estivesse ensinando ao mundo inteiro que mudar é necessário. E é bom. E é lindo. E as suas mudanças constantes conseguem fazer com que o mundo mude junto com você. Você muda o mar, muda a luz, muda o tempo. Alguns dizem que você consegue influenciar um corte de cabelo e até mesmo o nascimento de uma criança!

Transformar homens em lobisomens não seria nada perto de acompanhar cada suspiro, cada oração,  cada passo, cada beijo, cada lágrima e cada medo que a noite trás. Eu imagino os segredos que você não guarda, Lua... Imagino as pessoas que você já acompanhou de volta pra casa, os sonhos que você guardou, as insônias que você acompanhou. E mesmo com tudo isso, ou justamente por causa de tudo isso, você continua ali, conhecendo cada pensamentozinho que essa nossa mente humana é capaz de produzir. Talvez por isso suma às vezes, por detrás das nuvens que a noite forma. Mas sempre reaparece, reafimando o seu propósito de iluminar e deixar tudo mais bonito.

Sorria sempre para mim, Lua. Mesmo que eu não mereça tanto. Seu sorriso fez o meu, ontem. E mesmo que não sorria, esteja ali. Já basta para eu me lembrar de que as coisas continuam como sempre estiveram, apesar de todas as mudanças. Até a noite!

Um beijo,

Renata.






agosto 21, 2013

Querida Vida,

Querida vida,

Agora vamos falar francamente. Sem clichês e sem lentes. Sejam elas de aumento ou redução. Acho que precisamos de um acerto de contas. E essa conversa já era para ter acontecido há muito tempo. Tempo que falta. Ou coragem que falta. Sim, Vida, coragem. Sabe por quê? Porque você sabe ser cruel quando quer. Você sabe exatamente aonde me pegar, aonde me atingir. E essa crueldade muitas vezes me faz recuar e deixar a conversa pra depois. Mas, uma hora, a gente tinha que se encarar. Eu e você. Uma hora a gente precisaria dizer, uma pra outra, tudo aquilo que ficou esquecido ou escondido por todos esses anos.

Eu sei, eu sei que muitas vezes não te tratei bem. Pensei em você como se fosse um dia apenas. Achei que pudesse fazer o que bem entendia com você e você não me cobraria. Ou pelo menos não me cobraria tão cedo. Também não posso negar que você foi muito boa comigo em grande parte desse tempo todo. Ah, Vida, mas eu também fiz por você, né? Tantas vezes te poupei, mesmo diante das minhas vontades tão diferentes. Fui negligente algumas vezes, mas posso dizer o mesmo de você. Fui impaciente, inoportuna, descrente, até. Mas, tantas outras vezes, acreditei demais em você. Acreditei demais na sua bondade, na sua cumplicidade. Acreditei que estivéssemos no mesmo barco e, na hora da tempestade, me vi sozinha. Talvez você estivesse apenas atrás de mim, longe do meu campo de visão. Mas o sentimento foi de solidão. E, às vezes, Vida, o que fica é o sentimento, e não a realidade.

E não me venha com essa de que estava “tentando me dar uma lição”. Aliás, Vida, você e o Sr. Tempo – que qualquer dia também vai receber uma cartinha – vivem propagando aos quatro tempos as suas habilidades didáticas e terapêuticas, mas nem sempre conseguem ser objetivos o bastante para ensinar de verdade. Você também tem muito o que aprender. Todos nós temos. Esse ar superior de intelectual experiente já deu, Vida. Tanta coisa nova e interessante para aprendermos juntas e você aí, me olhando de cima, como se eu fosse a pior aluna de todos os tempos. Eu sei que não sou, Vida! Pode descer do palco e se juntar à plateia. Pode segurar na minha mão e deixar que eu também segure a sua. Não tem problema se o medo, a insegurança, a monotonia ou o cansaço aparecerem. Juntas, fica mais fácil vencê-los.

Sim, juntas. Eu te perdôo, Vida. E também peço seu perdão. Pode vir que a gente se entende no caminho.

Um beijo grande,


Renata.

julho 10, 2013

As coisas e a vontade das coisas.



Sou consumista assumida. Uma blusinha nova sempre foi capaz de mudar o meu humor. Um perfume novo, então, nem se fala. Aí a gente se depara com uma vontade quase incontrolável de comprar um batom vermelho de edição limitada sem o qual não podemos mais viver. Aí a gente olha os outros -muitos- batons vermelhos que já tem e percebe que não tem diferença. Nenhuma. O novo batom-desejo é extremamente parecido (não vou dizer igual em respeito à vaidade feminina) com os outros dezoito que estão na penteadeira. O batom vermelho novo é exatamente o caso daquele perfume lançado no verão passado que foi usado umas três vezes e agora está lá, esquecido. Esquecido, não. Abandonado. Mesmo tendo custado o equivalente a meio salário mínimo. E também daquele sapato azul que era lindo de morrer na loja mas que não conseguiu conversar direito com nenhuma das roupas do closet. E da bolsa off-white que manchou na primeira vez em que foi usada com uma calça jeans. E dos maxi-brincos cortados a laser –seja lá o que isso significa – que seriam necessários naquela viagem que nunca foi feita.  E da máscara de caviar com ácido salicílico que o rosto nunca viu, afinal, não é fácil lavar o rosto com soro fisiológico, depois com água morna, passar a tal máscara e esperar quarenta minutos para depois retirar com água de côco fresca.

Precisaria ser uma maquiadora profissional chamada para todas as semanas de moda do ano para conseguir usar todas as sombras adquiridas nos últimos anos. Acho que nem assim. Em nenhuma semana de moda do universo eu usaria uma sombra vermelha com glitter. Sim, eu tenho uma sombra vermelha com glitter. E também um blush lilás e um pó bronzeador que nem depois de dois meses de céu aberto em Saint Tropez ele se adequaria à minha pele. E uma camiseta preta cheia de lacinhos que nem imagino como poderia ser usada. E tantas outras coisas. Tantas.


Coisa de mulher? Talvez. Mas acho que a minha porção masculina tem se pronunciado mais nos últimos tempos. Deixar de desejar tantas coisas? Acho que nem se eu nascesse de novo. Será que é a fase da lua? Os protestos nas ruas? Maturidade? Disciplina? Recessão? Sei não. Nem sobre a sombra vermelha com glitter eu tenho certeza. Afinal, vai que vira moda no inverno 2014 da Chanel? A única certeza nisso tudo é a de que o tal bronzer, de fato, não fica bem em mim. Mas bem que eu podia tentar usá-lo como sombra... ;-)

junho 24, 2013

Protesto.

Manifestações acontecendo e eu, aqui na praça. Muitas vezes, nem dando milho aos pombos estou.  
Pensando, pensando e pensando, resolvi protestar também.
Mas, antes de mais nada, protesto contra mim mesma.
Por todas as vezes em que me falei demais e por tantas outras em que me calei.
Por todas as vezes em que disse ao “guardinha” da rua que iria ficar só um minutinho, e por isso não precisava comprar o cartão do estacionamento rotativo.
Por todas as vezes em que estacionei em fila dupla ou local proibido para esperar as filhas saírem do colégio.
Por todas as vezes em que não respeitei o limite de velocidade, não parei na faixa de pedestre ou dirigi falando ao celular.
Por ter usado carteirinha de estudante (sem ser) para pagar meia entrada no cinema.
Por todas as vezes em que não respeitei uma fila, ou dei um jeitinho de ser atendida antes.
Pelos filmes piratas que assisti e músicas que baixei.
Por não ter declarado as compras feitas no exterior. Por pedir à filha que dissesse que eu não estava em casa só para não atender alguém ao telefone.
Por gastar mais do que preciso. Por não economizar água. Por jogar comida fora.
Por desperdiçar tempo. Por sucumbir à preguiça. Por fingir que não vi. Por achar muita coisa normal.
Por não me posicionar. Por esquecer do outro.
Protesto contra (ou a favor) de mim mesma.
Quero ir pra rua e para a janela, manifestar a minha indignação comigo também.

Protestar e mudar. Mudar porque uma verdadeira democracia não se faz apenas com políticos honestos, mas antes de qualquer coisa, com cidadãos conscientes do seu próprio papel em casa, na rua, no trabalho e no país. 

junho 06, 2013

Felicidade Grátis.


Que atire a primeira pedra quem não sorri (nem que seja por dentro) depois de um banho demorado, de cabelo lavado e dente escovado? 
Um filho correndo em nossa direção, feliz da vida, só porque chegamos.
Alguém reparando o resultado do sacrifício da dieta.
Roupa que volta a caber depois de muito tempo.
Ouvir a música preferida e cantar junto. 
Sensação de dever cumprido na sexta-feira à noite.
Solzinho da manhã em dia frio.
Acordar à noite e descobrir que ainda falta muito para a hora de acordar.
Os últimos dez segundos do treino de corrida.
Tirar os sapatos ao chegar em casa.
Acordar no meio de um pesadelo e descobrir que era só um sonho ruim.
Receber um elogio.
Acordar com beijo.
Gargalhar com vontade.
Matar a sede com água gelada.
Sonhar com alguém querido.
Chorar de rir.
Vento fresco no rosto.
Assistir ao pôr-do-sol, sem pressa. Com pressa também.

Em um mundo no qual paga-se por quase tudo (e todos), alguns prazeres ainda mais maravilhosos do que uma Hermès Birkin Azul Turquesa ainda saem de graça.  Ainda.

abril 25, 2013

O outro.


A minha verdade é sempre melhor do que a verdade do outro. Muito mais clara , mais correta, mais especial. A minha verdade é mais transparente, mais justa. A minha verdade deve prevalecer. Afinal, é a minha verdade.

O meu sofrimento é sempre mais verdadeiro do que o sofrimento do outro. Muito mais intenso, mais adequado, mais fundamentado. O meu sofrimento é mais triste, mais profundo. O meu sofrimento deve ser respeitado. Afinal, é o meu sofrimento.

A minha alegria é sempre mais bonita do que a do outro. Muito mais colorida, mais verdadeira, mais florida. A minha alegria é mais interessante, mais forte, mais duradoura. A minha alegria é mais merecida. Afinal, é a minha alegria.

A minha amizade é sempre mais forte do que a do outro. Muito mais intensa, mais sincera, mais verdadeira. A minha amizade é mais especial, mais fraterna, mais altruísta. A minha amizade é mais querida. Afinal, é a minha amizade.

A verdade do outro não me interessa, afinal, a minha me basta.
O sofrimento do outro me arranca um suspiro. Só isso (ou tudo isso?).
A alegria do outro não me comove, amanhã acaba.
A amizade no outro só vale se a minha vier primeiro.

Quando eu for o outro? Aí a gente vê o que faz. E não posta no instagram.