Foi definido que mãe que é mãe de verdade cuida dos
filhos pessoalmente, acorda feliz da vida e abre a janela do quarto dos filhos
com um otimista “Bom dia!”, com o café já na mesa, torradas quentinhas, queijo
fresco, leite na temperatura decidida pelo filho e na exata proporção de café
ou chocolate ditada pelo pequeno – ou nem tão pequeno assim. Ela também confere
todo o material escolar, comparece a todas as reuniões oficiais e não oficiais,
conhece todos os amiguinhos e respectivas famílias. Prepara o prato preferido de sua cria como
ninguém nunca conseguirá fazer, com ingredientes frescos adquiridos naquele
mesmo dia, devidamente acompanhado de suco e sobremesa, sempre com um sorriso
fácil nos lábios e, claro, de salto alto. Sim, porque ela é mãe e mulher.
Recebe os amigos dos filhos da forma mais carinhosa possível
com bolo quentinho, pipoca amanteigada e biscoitinhos delicadamente dispostos
em uma toalha alegremente estampada com um vaso de flores coloridas no meio,
constrastando com a cozinha imaculadamente branca e limpa. O excesso de
adjetivos foi proposital. Uma mãe de verdade só tem qualidades dessa natureza.
Essa mesma mãe, depois de ter produzido o dia todo em um
mercado competitivo – não me perguntem em que momento – usando palavras da moda
como networking, MBA, múltiplos de Ebitda, sinergia, inserção, responsabilidade
social, chega em casa a tempo de rever as tarefas com os filhos, preparar o
banho, colocá-los na cama, contar estórias sentada na cama com uma camisola
branca longa – também não posso responder a que horas a camisola foi colocada –
e, por fim, tomar um vinhozinho com o marido enquanto ele reclama de como o seu
dia foi exaustivo. Tudo isso devidamente maquiada, depilada, sobrancelha
cuidadosamente delineada, cabelos brilhantes e domados à perfeição, unhas
feitas e, claro, tendo corrido seus oito quilômetros diários seguidos de um
treino de musculação mensalmente modificado pelo seu personal. Apenas para
constar, ela também faz terapia uma vez por semana, massagem estética e
relaxante e cuida pessoalmente de seu jardim como um hobby.
Mas ela cuida mesmo é dos filhos, do marido e da casa. Sabe
exatamente o que está faltando na geladeira, o que é melhor para tirar mancha
de roupa branca, fiscaliza de perto a forma de lavar, de passar e de guardar as
roupas, conhece o melhor lugar para comprar peixe, a melhor marca de macarrão e
de amaciante, agenda dentista, médico, exames de rotina para todos os que
dependem dela e os lembra um dia antes, com a precisão de um bisturi. Não
esquece aniversários, telefones, datas importantes, recados e consegue planejar
e executar um jantar para 40 pessoas sem aumentar dez por cento em seus batimentos
cardíacos.
Assim definiram. E nós acreditamos. Acreditamos e buscamos
tudo isso. Mas ninguém escreveu um capítulo nessa encíclica com as
dificuldades. Nem uma nota de rodapé. Ninguém cuidou de avisar às navegantes
que é impossível. Àquelas que discordam, eu repito: É impossível. E não há
exceção a essa regra. É impossível ser completamente feliz com sono atrasado há
um mês, peito pingando leite e campainha tocando anunciando visitas
extremamente formais. É impossível sorrir plenamente quando, depois de um dia
exaustivo de trabalho, ao chegar em casa você se depara com crianças sem banho
recortando o seu exemplar de assinante da Vogue que sequer tinha visto. Só
se for de nervoso. É impossível manter o sorriso diante de uma pirraça enorme
no meio de uma loja de departamentos. É impossível sentir a maior felicidade do
mundo quando somos avisadas que já passou da hora de retirar a fralda noturna
ou de deixar que o bebê se alimente sozinho.
Não estou dizendo que é impossível
ser feliz neste contexto, mas asseguro que a felicidade não é a única
companheira das mães. Há frustrações no ser mãe. Qual a mãe que nunca se sentiu
frustrada quando, depois de arrumar o bebê com a roupinha perfeita escolhida
para aquela ocasião com dias de antecedência e, ao sair de casa, o pequeno
coloca para fora o excesso de leite que lhe foi dado, sujando também a bolsa já
arrumada com as mamadeiras, chupetas e outras coisas mais? Qual a mãe que nunca
se sentiu frustrada quando leva duas horas para sair de casa e, chegando no
destino, percebe que esqueceu o remédio de refluxo – sim, quase todas as
crianças tem refluxo atualmente - , o bico certo para a mamadeira de água ou a
girafinha verde, o hipopótamo roxo, o Barney de 97 cm ou a coleção de livros de
capa dura do Relâmpago McQueen sem o qual o pequeno não dará um minuto de
sossego?
Mães de verdade não podem esquecer estes itens de primeira
necessidade. Mas esquecem. Esquecem uma vez, duas vezes, deixam de comprar o
leite em pó que acabou aquele dia porque esqueceram ou porque, simplesmente,
não deu tempo. Mães de verdade saem de casa calçando um par de chinelos que
nunca usariam em sã consciência no meio de uma crise de faringite. Mães de
verdade muitas vezes não sabem o que fazer. A que sabe sempre o que fazer, das
duas uma: Ou não é mãe ou já é bisavó. Porque o tempo ensina muita coisa.
O tempo ensina,
por exemplo, que você não é uma mãe desastrosa só porque não ofereceu frutas à criança naquele churrasco de
domingo, porque deixou que tomasse refrigerante na mamadeira para não derramar,
porque não o leva na igreja todos os finais de semana, porque não levou um
outra muda de roupa para o aniversário do amiguinho e a primeira coisa que
aconteceu foi ele derramar molho de cachorro quente na blusa imaculadamente
branca.
Acredite, o mundo não vai acabar e seu filho sequer vai
lembrar se você esqueceu o presente de aniversário da professora no carro, se
você o deixou com a avó ou a babá para ir aquele jantar com o marido ou se
chegou um pouco mais tarde durante aquela semana por causa de um prazo.
Mãe de verdade sabe que erra. Sabe que não é perfeita. Tem
preguiça de retocar a tinta do cabelo, de manter a depilação rigorosamente em
dia, tem dificuldade de comprar o lanche para a escola – porque o mais fácil
não é o mais saudável -, tem vontade de se jogar na cama e ficar o dia todo
assistindo TV, de comer besteira, de faltar a academia.
Mãe de verdade também tem alguns sonhos comuns. Todas elas
sonham com alguém que prepare o cardápio de forma balanceada e atraente para as
crianças que adoram massa, para o marido que quer comer carne de porco e para
ela, que adora molho de gorgonzola, mas está sempre de dieta. Todas sonham com
alguém que separe a roupa, fiscalize a lavagem para não misturá-las, passe
impecavelmente todas as peças do guardaroupa, saiba como guardá-las de forma
eficiente e bonita, arrume o closet e entenda que, para você é importante que
os cabides estejam todos virados para o mesmo lado e as roupas separadas por
cores, tamanhos, estação e ocasião. Aliás, alguém, não. Algumas pessoas. Claro,
porque é preciso um exército para conseguir levar a vida que buscamos como ideal. Quer dizer, a vida que nos mostraram como ideal.
É preciso, no mínimo duas pessoas para que o café da manhã esteja na mesa lindamente disposto às 6:45, com o bendito do suco de fruta fresca, porque o de caixinha não é saudável e você possa descer as escadas pontualmente (na minha vida ideal sempre existe essa escada imaginária para descer), já devidamente banhada, maquiada e com a roupa impecavelmente passada e sentar ao seu lugar na mesa, que, claro, possui uma gérbera amarela para alegrar o seu dia. O pão está quentinho à mesa, tem bolo, frutas, queijos e iogurte. Claro, na vida idealizada, não se fala em desperdício ou dieta, nem em intolerância à lactose. Pensando bem, acho que duas pessoas não são suficientes. Vamos colocar quatro. Sim, porque pagar salários, horas-extras, décimo terceiro e conceder férias nunca foi parte de uma vida ideal.
Ah, mas não é a mãe que tem que fazer tudo isso? Dispensemos as quatro auxiliares. Voltemos à mãe ideal. Ela que fez o bolo, comprou os pães, dispôs os frios e os iogurtes. E colocou a gérbera no centro da mesa. Mas ela não estava acordando os filhos, abrindo a janela e sorrindo ao dizer bom dia????
É. definitivamente ser essa mãe ideal é contra as leis da física.
4 comentários:
Eu aprendi que mães "ideais" não existem, ou fui perceber isso, quando eu tinha uns 19 anos e minha mãe já estava muito doente. Numa de minhas visitas a ela no hospital, depois de uma de nossas conversas de mãe e filho sobre casa, família, futuro, insegurança, etc..., comecei a chorar. Ela virou pra mim e fez a seguinte pergunta: "Está chorando pela mãe ou pela empregada?"
Falando assim parece parece uma pergunta fria, mas conhecendo minha mãe, foi a forma dela me fazer enxergar e saber que eu estava perdendo uma mãe, mesmo que ela não fosse "a ideal".
:)
Pois é, Ryan´s. As mães se matam por pequenas coisas e o que fica são essas lembranças de frases ditas com a maior simplicidade...
Também tenho essas coisas com meu pai!
Postar um comentário