Acomodada que sou, achava que a reforma podia ser adiada mais um pouquinho. Mas, como dizem que os opostos se atraem, marido quer tudo "pra ontem" e, há muito, já se incomodava com o piso quebrado na cozinha e as pedras na fachada da casa construída provavelmente na década de oitenta ou noventa. É, não dá pra viver incomodado. Resolvemos começar o inevitável. Quebra-quebra a partir das sete horas da manhã todos os dias e uma poeira tão grande que não dava para imaginar que seria possível. Tudo perfeitamente previsível. Tem que ficar ruim para ficar bom depois.
Poeira, barulho, estranhos transitando pela casa, nada disso é surpresa. Surpresa foi o que vimos com a retirada de algumas telhas que ficavam sobre as janelas.
No momento em que foram arrancadas, dezenas de morcegos saíram vivos daquilo que, suponho, era um ninho, uma morada, uma pousada para o dia. Como eu pude tê-los tão perto sem nem desconfiar? Tenho medo, tenho nojo, tenho repulsa. Até porque nenhum deles se transformaria em Edward Cullen, Bill Compton, Stefan ou Damon. Nem os vampiros de hoje em dia se transformam em morcegos. Mas, voltando à nossa casa (ou à casa deles), as telhas serviam de abrigo para um dos animais que mais me assusta. Acima da janela do nosso quarto! Acima da janela do nosso closet! Acima da janela do nosso escritório! Convivíamos diariamente com vários morcegos, que descansavam como a cigarra cantarolante da fábula enquanto as formigas aqui ganhavam a vida. E, durante a noite que, enquanto dormíamos, sabe-se lá o que faziam. Só posso dizer que convivemos. Posso até dizer que pacificamente, até porque não sabíamos de suas existências.
Os morcegos saíram, não tem mais o abrigo das telhas. Mas eu fiquei pensando nisso. Se não fosse a reforma, a retirada das telhas, talvez jamais descobriríamos os outros animais que também moravam por aqui. Será que temos outros conviventes por perto? Será que convivemos com outros medos e repulsas dos quais nem temos ideia da existência? Será que existem morcegos também escondidos dentro de nós, que só serão descobertos com a retirada de outras telhas e entulhos? Ou será que o medo só vem com a consciência do que se tem por perto? Sem medo o perigo desaparece ou seria ainda mais ameaçador diante da nossa ignorância? Morcegos, ressentimentos, sentimentos. Acumulamos tantas telhas desnecessárias pela vida que elas vão ficando assim: cheias daquilo que não nos serve, daquilo que nos amedronta, daquilo que nos ameaça. E, quanto mais tempo passa, mais difícil é a reforma.
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