Ter um filho. Decisão muito mais complexa. Não basta dedicar algum tempo para plantar, regar e podar. É preciso dedicar a vida e transformar todas as nossas vontades em outras. É preciso deixar uma vida inteira de lado, ainda que por um tempo, para dedicar-se à vida de outra pessoa. Poesia pura, realidade muito diferente.
As decisões são muito mais profundas e impactantes. Estou preparada para sentir todo o desconforto da gravidez e seus sintomas em função de um outro alguém? Sim, porque toda a literatura obrigatória para se ler na gravidez e ao dar à luz somente fala naquele momento mágico de olhar pela primeira vez o rostinho daquela criança e transforma o enjôo matinal e as dores nas costas em provas da fortaleza de uma mulher: Veja como você é forte! Veja o que você consegue fazer! Perceba como é incomparável! Agüente firme!
Ter um filho é a coisa mais contraditória pela qual eu já passei. No momento em que minha primeira filha nasceu, o meu primeiro pensamento foi: Aonde estão as minhas asas? Cadê meus super-poderes? Quando eu começo a ouvir pensamentos e prever acontecimentos? Já consigo fazer um jantar? E um bolo de aniversário? Quantas pessoas vão ficar ao meu lado o tempo todo para que eu possa dar conta de tudo? Aonde é o botão de desligar?Posso desistir disso?
Não vou mentir. Não ouvi sinos tocando, borboletas voando, não senti o coração dela batendo no mesmo compasso que o meu. Me senti muito culpada por não ver nascer em mim aquela mãe idealizada de um minuto para o outro. Sofri muito para amamentar. O maior milagre da natureza para mim não foi amamentar as minhas filhas, mas sim descobrir como elas dormiam bem depois de tomar leite em pó. Nunca acordei feliz da vida às duas da manhã, tendo dormido à uma. E, sinceramente, tenho grandes dúvidas quando ouço uma mãe dizer que antes do filho sentir fome ela já está de prontidão, feliz da vida. Talvez o problema seja comigo, é bem provável.
E algum tempo depois, quando as coisas começam a chegar no lugar novamente, quando as noites já podem ser dormidas, quanto o contato com o mundo exterior retorna, quando a fase das visitas solícitas acaba, você descobre que o pior não passou. Espere a primeira virose. O primeiro tombo. A primeira pirraça sem qualquer motivo. E a segunda. E a terceira. E a quarta. Espere as pessoas te dizendo o que você deve fazer e o que você não deve fazer. Cada um tem um conselho diferente e, muitas vezes, estranho. Vire a criança de ponta a cabeça no berço quando ela não quiser dormir a noite. Coloque uma linha molhada na testa para ela parar de soluçar. Passe azeite na assadura. Agasalhe a criança. Esse choro não é por causa de calor?
O choro é um capítulo a parte. Filhos choram por sede, fome, frio, calor, dor, tédio, cansaço. Choram porque estamos longe. Choram porque estamos muito perto. Choram. Simples assim. Não duvide, o bebê vai chorar. E essa estória de conhecer o choro? Choro de fome, choro de cólica, choro de pirraça e mais algumas 2.500 variações. Tudo bem, nós, mães temos a inegável e invariável necessidade de dizer (e mostrar) que conhecemos nossa cria melhor do que ninguém, que o choro somente vai parar quando nós agirmos. A verdade? Do mesmo jeito que o choro começou, ele vai embora. Esteja o bebê com a mãe, com o pai, com a babá ou com a diarista que sequer o conhece. A receita que eu aprendi com as minhas duas filhas é a de ter paciência com o choro. Se a criança não está doente, já se alimentou e está em uma temperatura normal, a única coisa que podemos fazer é esperar. Cantando, embalando, de qualquer forma o choro vai parar.
E é exatamente nessa hora que reconhecemos o valor – ou o tamanho – da paciência que já exigimos de alguém quando éramos nós os protagonistas do choro. Os filhos vão crescendo e a gente vai aprendendo...
Todo mundo diz por aí que ter filhos é a melhor coisa do mundo. Eu sinto, é verdade, um amor incondicional recíproco. Acho que esse é o melhor sentimento do mundo. Indescritível. Indescritível porque ambíguo, contraditório, egoísta, sobrenatural. Chega a ser esquisito. Levante a primeira pedra a mãe que nunca sentiu uma pontada de arrependimento em um domingo a tarde, após um almoço daqueles, quando pensava em se dirigir diretamente para o paraíso cama-travesseiro-edredom-ar condicionado-Tv a cabo, mas foi parada por um incessante pedido: _”Vamos brincar?”. Ou quando planejou uma viagem maravilhosa, e, ao entrar no carro, após a primeira curva, se vê completamente suja em razão do enjôo que acometeu o pequeno?
Os exemplos seriam muitos. Mas nada se compara à realidade que aguarda uma mãe. Encontrar uma babá, atender um milhão de telefonemas durante um dia de trabalho estressante, comprar sapatinhos lindos que serão utilizados uma única vez e que custam o mesmo que aquela peep toe preta que você anda namorando, ouvir a palavra Mãe cinco vezes por minuto, sem qualquer motivo, ser acordada em uma terça-feira de uma semana ocupadíssima no meio da noite para levar o pequeno ao banheiro e, claro, não conseguir dormir mais depois, assistir ao mesmo filme três vezes por noite (no mínimo) e depois não conseguir tirar aquela musiquinha da cabeça por semanas, chegar em casa e encontrar aquele seu estojo edição limitada de maquiagem da Dior em pedaços e, naturalmente, também em cima do edredom branco da sua cama, constatar que o sofá pago em várias vezes está mais sujo do que o tapetinho da entrada, encontrar a parede recém-pintada cheia de rabiscos coloridos e escritas espelhadas, viajar depois de todo mundo por causa de uma apresentação na escola marcada justamente para aquele dia e tantas outras experiências por quais somente as mães e os pais passam.
Esse brinquedo não vem com manual. Ás vezes tenho a nítida impressão de que ter filhos é uma loucura. Eu, por exemplo, enlouqueci duas vezes. Na segunda vez, cheguei a pensar, já na mesa de cirurgia: “Não acredito que fiz isso de novo”. Mas devo confessar que foi bem mais fácil. Eu já sabia que o céu não se abriria para me trazer a luz divina, a sabedoria plena. Eu já sabia o que me aguardava. E mesmo assim, ali eu estava de novo. E novamente, sem manual. Ser mãe poderia exigir curso superior específico, aprovação em exame de proficiência, mestrado e doutorado. Tudo com uma grade curricular ampla. Noções básicas de fisiologia da Grávida (indispensável a presença dos pais nesta disciplina). Teoria da Paciência I. Primeiros Socorros. Introdução à nutrição saudável. Recreação Básica. Recreação Avançada. Teoria da Paciência II. Estudos Avançados de Psicologia. Técnicas Avançadas para Contratação de Auxiliares. Teoria da Paciência III. Teoria Geral do Ouvir e Não Falar. Crianças em espécie. Classificação de Pirraças. Teoria da Paciência IV. Técnicas de Jejum e Autocontrole. Diálogos I. Teoria da Separação. Teoria da Paciência IV. Diálogos II. Tudo isso, é claro, sem levar em consideração a leitura complementar obrigatória.
Sem ilusões, tudo muda. Nosso corpo, nossos horários, nossos prazeres, nosso orçamento, nossos relacionamentos, os lugares que frenquentamos. Sim, porque tenho absoluta certeza que pais trocam qualquer prato preferido por um restaurante que tenha parquinho ou recreadores. Aliás, arrisco dizer que alguns restaurantes e hotéis aumentariam seu faturamento em setenta por cento se pensassem um pouco na necessidade que as mães tem de almoçar com calma de vez em quando.
Então, porque a decisão de ter um filho? Porque somos mais felizes assim? Porque queremos viver “para sempre”? Pela necessidade de sermos incondicionalmente amados? Pelas convenções sociais? Para não ser diferente? Para ter uma razão de viver? Talvez por tudo isso junto, talvez por nenhuma dessas razões.
Questionamentos filosóficos à parte, o fato é que as mulheres precisam ser avisadas do que é ter um filho. Muitas vezes tenho a nítida impressão de que foi feito um pacto secreto – do qual eu não fiz parte – uma espécie de Concílio do Vaticano das mães, nos quais elas definiram determinados critérios e juraram passá-los para frente a qualquer custo. E cumpriram. Como uma sociedade secreta digna de um Best seller do Dan Brown. Após muitas deliberações as mães decidiram que falariam para sempre que ser mãe é a melhor coisa do mundo, que nada se compara ao sorriso de um filho, que todas as mães são felizes, que todas já estão no paraíso. Padecendo, mas estão.
Com ou sem essa sociedade secreta, ser mãe é muito mais do que a melhor coisa do mundo. É muito mais do que padecer no paraíso. É muito mais do que qualquer desses clichês. Ser mãe é ser de novo, nascer de novo, criar (ou pelo menos tentar) um EU melhorado. Um EU que não é mais sozinho. Um EU que é capaz de qualquer coisa por outro EU. Um EU divino. Imperfeito, mas divino.
5 comentários:
Ah meu Deus, que texto tao lindo foi esse Rê?
Nossa, tu tá inspirada heim?
É tudo assim mesmo, meu Deus, e sabe que filho é cheio de fase, né? A gente pensa mesmo que o pior é nao dormir a noite toda, mas ai Re, tem tanto ainda pela frente... menina,a adolescência é pra mim, a pior delas. To passando por ela agora, e te digo, Rê, nao tá fácil.
Adorei tudo o que tu escreveu e olha, nao se sinta culpada por nao ter ouvido violinos, viu? Isso é uma mudanca mt grande na vida da gente mesmo... e vc é uma mae maravilhosa! A gente sente isso :-)
Bjs pra vc 4!
Lindo!
To carente!
Preciso de dengo!,,,,
Rê, PRECISO MEEEEEEEESMO dizer o que penso sobre isso??!! rsrs
Vc ARRASOU! Perfeita do começo ao fim!!!! Posso citar o texto e o blog no meu blog e no meu face???? :-)ARRASOU! Beijos
Nem me fale na adolesdcência, Nina! Medo!!!! Rs. Gi!!! Vem aqui que eu te dou dengo! Larys, claro que pode! Beijos, meninas!!!!
Nossa...Fico um tempo sem vir aqui e choro com cada texto desse...Ai...Muito lindo esse! Bjo amiga!
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