Eu me lembro de quando éramos crianças e brincávamos o carnaval em Jacaraípe, litoral capixaba. Todos os primos juntos em uma casa enorme, fantasias diferentes e uma matinê em um clube lindo chamado Riviera. A preparação já era uma festa. Bailarinas, Batman, Robin, Super Man, gatinhas e tudo mais o que a imaginação deixasse e as mães conseguissem realizar.
No clube, brincadeiras, marchinhas de carnaval, muito confete e serpentina. E à noite, esgotados, dormíamos sob os cuidados da sempre super vovó Wanda enquanto chegava a vez dos nossos pais irem ao baile do mesmo clube. Sempre achei que fosse chegar a minha vez de deixar meus filhos dormindo aos cuidados dos avós para ir ao tão sonhado baile da carnaval do Riviera. Logo depois, trocamos Jacaraípe por Guarapari, e os nossos verões e carnavais eram passados lá. Chegamos a ir algumas vezes na matinê do clube Siribeira, e até mesmo aos bailes à noite, quando já tínhamos uns quatorze, quinze anos. Mas logo depois, os bailes deixaram de existir. Não sei se porque o clube deixou de fazê-los ou se porque as pessoas perderam o interesse. Cidade maravilhosa, Mamãe eu quero, A cabeleira do Zezé, Pierrot e Colombina só eram mesmo lembrados por grupinhos de saudosos senhores e senhoras que tocavam seus instrumentos isolados em algum canto. Arlequim não chorava mais pelo amor da Colombina, mas sim acompanhava um trio elétrico afogando todas as mágoas do ano ao som de axé. Passou até a competir com outros pierrot solitários em um jogo cujo vencedor era aquele que beijasse mais colombinas diferentes em uma só noite. Dificilmente Arlequim estava em condições de lembrar o tal número para se sagrar vencedor, mas, o que importa? Que não me levem a mal, hoje é carnaval! Colombinas passaram a agir da mesma forma, afinal, elas tem direitos iguais. No carnaval e em qualquer época do ano.
Alecrins e Colombinas deixaram as fantasias de lado e passaram a vestir-se todos iguais, pois, fantasia, agora, se chama Abadá, e é o passaporte para seguir o trio elétrico escolhido de forma, digamos, protegida. Melhor? Pior? Não sei. Nunca vivi o carnaval do Abadá. Não ainda. E não sei se viverei. Agora, com minhas filhas, voltei à Guarapari aonde passei muitos de meus carnavais e me surpreendi com o que vi. A rua cheia de crianças fantasiadas, pierrots, colombinas, palhacinhos, fadinhas, borboletas, super-heróis, todos com muito confete e serpentina e devidamente acompanhados de seus pais. Crianças de todas as idades. As antigas marchinhas de carnaval dominavam as caixas de som, alternando-se com algumas músicas de axé e sambas-enredo. Alguns blocos com os necessários passaportes chamados Abadás, mas muita, muita fantasia, na verdadeira acepção da palavra.
E um carro de som passou anunciando que, às quatro horas da tarde, haveria matinê no Siribeira Clube, para minha surpresa. Eu, claro, vesti as minhas pequenas com suas fantasias. Laura, uma havainana linda e colorida. Elisa, uma abelhinha deliciosa e igualmente linda. Serpentinas e confetes a postos, adentramos no salão, devidamente decorado com máscaras e serpentinhas coloridas. Quantos risos, quanta alegria...E elas ali, em meio a princesas, caveiras, joaninhas, piratas, pedritas e personagens do Walt Disney.
Não sei se daqui a alguns anos elas serão colombinas no salão ou seguidoras desenfreadas de trios elétricos, nem sei se gostarão de carnaval ou não. Sei que viveram neste carnaval uma fantasia de verdade, uma mentira fantasiada, uma celebração da alegria, uma oportunidade de ser o personagem de seus sonhos, pelo menos por alguns momentos, da mesma forma como eu já vivi. Assim, a vida mostra o seu outro lado, dando a oportunidade de levarmos essa alegria para todos os outros dias comuns, afinal, não precisa ser carnaval para realizarmos sonhos e sermos felizes, seja chorando por uma colombina, seja atrás do trio elétrico. Não importa. Importa sim, sabermos fazer da fantasia uma realidade, em qualquer dia do ano.