junho 06, 2013

Felicidade Grátis.


Que atire a primeira pedra quem não sorri (nem que seja por dentro) depois de um banho demorado, de cabelo lavado e dente escovado? 
Um filho correndo em nossa direção, feliz da vida, só porque chegamos.
Alguém reparando o resultado do sacrifício da dieta.
Roupa que volta a caber depois de muito tempo.
Ouvir a música preferida e cantar junto. 
Sensação de dever cumprido na sexta-feira à noite.
Solzinho da manhã em dia frio.
Acordar à noite e descobrir que ainda falta muito para a hora de acordar.
Os últimos dez segundos do treino de corrida.
Tirar os sapatos ao chegar em casa.
Acordar no meio de um pesadelo e descobrir que era só um sonho ruim.
Receber um elogio.
Acordar com beijo.
Gargalhar com vontade.
Matar a sede com água gelada.
Sonhar com alguém querido.
Chorar de rir.
Vento fresco no rosto.
Assistir ao pôr-do-sol, sem pressa. Com pressa também.

Em um mundo no qual paga-se por quase tudo (e todos), alguns prazeres ainda mais maravilhosos do que uma Hermès Birkin Azul Turquesa ainda saem de graça.  Ainda.

abril 25, 2013

O outro.


A minha verdade é sempre melhor do que a verdade do outro. Muito mais clara , mais correta, mais especial. A minha verdade é mais transparente, mais justa. A minha verdade deve prevalecer. Afinal, é a minha verdade.

O meu sofrimento é sempre mais verdadeiro do que o sofrimento do outro. Muito mais intenso, mais adequado, mais fundamentado. O meu sofrimento é mais triste, mais profundo. O meu sofrimento deve ser respeitado. Afinal, é o meu sofrimento.

A minha alegria é sempre mais bonita do que a do outro. Muito mais colorida, mais verdadeira, mais florida. A minha alegria é mais interessante, mais forte, mais duradoura. A minha alegria é mais merecida. Afinal, é a minha alegria.

A minha amizade é sempre mais forte do que a do outro. Muito mais intensa, mais sincera, mais verdadeira. A minha amizade é mais especial, mais fraterna, mais altruísta. A minha amizade é mais querida. Afinal, é a minha amizade.

A verdade do outro não me interessa, afinal, a minha me basta.
O sofrimento do outro me arranca um suspiro. Só isso (ou tudo isso?).
A alegria do outro não me comove, amanhã acaba.
A amizade no outro só vale se a minha vier primeiro.

Quando eu for o outro? Aí a gente vê o que faz. E não posta no instagram.

novembro 22, 2012

O ideal.


Foi definido que mãe que é mãe de verdade cuida dos filhos pessoalmente, acorda feliz da vida e abre a janela do quarto dos filhos com um otimista “Bom dia!”, com o café já na mesa, torradas quentinhas, queijo fresco, leite na temperatura decidida pelo filho e na exata proporção de café ou chocolate ditada pelo pequeno – ou nem tão pequeno assim. Ela também confere todo o material escolar, comparece a todas as reuniões oficiais e não oficiais, conhece todos os amiguinhos e respectivas famílias. Prepara o  prato preferido de sua cria como ninguém nunca conseguirá fazer, com ingredientes frescos adquiridos naquele mesmo dia, devidamente acompanhado de suco e sobremesa, sempre com um sorriso fácil nos lábios e, claro, de salto alto. Sim, porque ela é mãe e mulher.

Recebe os amigos dos filhos da forma mais carinhosa possível com bolo quentinho, pipoca amanteigada e biscoitinhos delicadamente dispostos em uma toalha alegremente estampada com um vaso de flores coloridas no meio, constrastando com a cozinha imaculadamente branca e limpa. O excesso de adjetivos foi proposital. Uma mãe de verdade só tem qualidades  dessa natureza.

Essa mesma mãe, depois de ter produzido o dia todo em um mercado competitivo – não me perguntem em que momento – usando palavras da moda como networking, MBA, múltiplos de Ebitda, sinergia, inserção, responsabilidade social, chega em casa a tempo de rever as tarefas com os filhos, preparar o banho, colocá-los na cama, contar estórias sentada na cama com uma camisola branca longa – também não posso responder a que horas a camisola foi colocada – e, por fim, tomar um vinhozinho com o marido enquanto ele reclama de como o seu dia foi exaustivo. Tudo isso devidamente maquiada, depilada, sobrancelha cuidadosamente delineada, cabelos brilhantes e domados à perfeição, unhas feitas e, claro, tendo corrido seus oito quilômetros diários seguidos de um treino de musculação mensalmente modificado pelo seu personal. Apenas para constar, ela também faz terapia uma vez por semana, massagem estética e relaxante e cuida pessoalmente de seu jardim como um hobby.

Mas ela cuida mesmo é dos filhos, do marido e da casa. Sabe exatamente o que está faltando na geladeira, o que é melhor para tirar mancha de roupa branca, fiscaliza de perto a forma de lavar, de passar e de guardar as roupas, conhece o melhor lugar para comprar peixe, a melhor marca de macarrão e de amaciante, agenda dentista, médico, exames de rotina para todos os que dependem dela e os lembra um dia antes, com a precisão de um bisturi. Não esquece aniversários, telefones, datas importantes, recados e consegue planejar e executar um jantar para 40 pessoas sem aumentar dez por cento em seus batimentos cardíacos.

Assim definiram. E nós acreditamos. Acreditamos e buscamos tudo isso. Mas ninguém escreveu um capítulo nessa encíclica com as dificuldades. Nem uma nota de rodapé. Ninguém cuidou de avisar às navegantes que é impossível. Àquelas que discordam, eu repito: É impossível. E não há exceção a essa regra. É impossível ser completamente feliz com sono atrasado há um mês, peito pingando leite e campainha tocando anunciando visitas extremamente formais. É impossível sorrir plenamente quando, depois de um dia exaustivo de trabalho, ao chegar em casa você se depara com crianças sem banho recortando o seu exemplar de assinante da Vogue que sequer tinha visto. Só se for de nervoso. É impossível manter o sorriso diante de uma pirraça enorme no meio de uma loja de departamentos. É impossível sentir a maior felicidade do mundo quando somos avisadas que já passou da hora de retirar a fralda noturna ou de deixar que o bebê se alimente sozinho. 

Não estou dizendo que é impossível ser feliz neste contexto, mas asseguro que a felicidade não é a única companheira das mães. Há frustrações no ser mãe. Qual a mãe que nunca se sentiu frustrada quando, depois de arrumar o bebê com a roupinha perfeita escolhida para aquela ocasião com dias de antecedência e, ao sair de casa, o pequeno coloca para fora o excesso de leite que lhe foi dado, sujando também a bolsa já arrumada com as mamadeiras, chupetas e outras coisas mais? Qual a mãe que nunca se sentiu frustrada quando leva duas horas para sair de casa e, chegando no destino, percebe que esqueceu o remédio de refluxo – sim, quase todas as crianças tem refluxo atualmente - , o bico certo para a mamadeira de água ou a girafinha verde, o hipopótamo roxo, o Barney de 97 cm ou a coleção de livros de capa dura do Relâmpago McQueen sem o qual o pequeno não dará um minuto de sossego?

Mães de verdade não podem esquecer estes itens de primeira necessidade. Mas esquecem. Esquecem uma vez, duas vezes, deixam de comprar o leite em pó que acabou aquele dia porque esqueceram ou porque, simplesmente, não deu tempo. Mães de verdade saem de casa calçando um par de chinelos que nunca usariam em sã consciência no meio de uma crise de faringite. Mães de verdade muitas vezes não sabem o que fazer. A que sabe sempre o que fazer, das duas uma: Ou não é mãe ou já é bisavó. Porque o tempo ensina muita coisa.

 O tempo ensina, por exemplo, que você não é uma mãe desastrosa  só porque não ofereceu frutas à criança naquele churrasco de domingo, porque deixou que tomasse refrigerante na mamadeira para não derramar, porque não o leva na igreja todos os finais de semana, porque não levou um outra muda de roupa para o aniversário do amiguinho e a primeira coisa que aconteceu foi ele derramar molho de cachorro quente na blusa imaculadamente branca.

Acredite, o mundo não vai acabar e seu filho sequer vai lembrar se você esqueceu o presente de aniversário da professora no carro, se você o deixou com a avó ou a babá para ir aquele jantar com o marido ou se chegou um pouco mais tarde durante aquela semana por causa de um prazo.

Mãe de verdade sabe que erra. Sabe que não é perfeita. Tem preguiça de retocar a tinta do cabelo, de manter a depilação rigorosamente em dia, tem dificuldade de comprar o lanche para a escola – porque o mais fácil não é o mais saudável -, tem vontade de se jogar na cama e ficar o dia todo assistindo TV, de comer besteira, de faltar a academia.

Mãe de verdade também tem alguns sonhos comuns. Todas elas sonham com alguém que prepare o cardápio de forma balanceada e atraente para as crianças que adoram massa, para o marido que quer comer carne de porco e para ela, que adora molho de gorgonzola, mas está sempre de dieta. Todas sonham com alguém que separe a roupa, fiscalize a lavagem para não misturá-las, passe impecavelmente todas as peças do guardaroupa, saiba como guardá-las de forma eficiente e bonita, arrume o closet e entenda que, para você é importante que os cabides estejam todos virados para o mesmo lado e as roupas separadas por cores, tamanhos, estação e ocasião. Aliás, alguém, não. Algumas pessoas. Claro, porque é preciso um exército para conseguir levar a vida que buscamos como ideal. Quer dizer, a vida que nos mostraram como ideal. 

É preciso, no mínimo duas pessoas para que o café da manhã esteja na mesa lindamente disposto às 6:45, com o bendito do suco de fruta fresca, porque o de caixinha não é saudável e você possa descer as escadas pontualmente (na minha vida ideal sempre existe essa escada imaginária para descer), já devidamente banhada, maquiada e com a roupa impecavelmente passada e sentar ao seu lugar na mesa, que, claro, possui uma gérbera amarela para alegrar o seu dia. O pão está quentinho à mesa, tem bolo, frutas, queijos e iogurte. Claro, na vida idealizada, não se fala em desperdício ou dieta, nem em intolerância à lactose. Pensando bem, acho que duas pessoas não são suficientes. Vamos colocar quatro. Sim, porque pagar salários, horas-extras, décimo terceiro e conceder férias nunca foi parte de uma vida ideal. 

Ah, mas não é a mãe que tem que fazer tudo isso? Dispensemos as quatro auxiliares. Voltemos à mãe ideal. Ela que fez o bolo, comprou os pães, dispôs os frios e os iogurtes. E colocou a gérbera no centro da mesa. Mas ela não estava acordando os filhos, abrindo a janela e sorrindo ao dizer bom dia????

 É. definitivamente ser essa mãe ideal é contra as leis da física. 




novembro 08, 2012

Pensando.


Sinto o tempo nos meus olhos. Não enxergo como enxerguei um dia. Não vejo mais o que eu via. Talvez seja uma forma da natureza me dizer que o tempo passa. Que eu não sou mais a mesma e que não preciso ser a mesma. 

Caprichosa como sempre, a natureza nos deixa mais deficientes quando podemos ir mais longe. Nos tira vagarosamente a visão quando as coisas começam a parecer claras demais. Talvez na intenção de evitar o sofrimento. Talvez na intenção de nos permitir um descanso. A maturidade não nos deixaria descansar se continuássemos a ver tudo tão claramente. Então, a visão embaça. Fica mais difícil ver de muito perto, ou de muito longe. Melhor assim. 

Enxergar demais pode cegar de vez. Enxergar demais pensando demais e entendendo demais seria exagero e estamos na era da sustentabilidade. Exageros são proibidos, condenados. Nos resta enxergar cada vez menos. Mas pensar cada vez mais. Porque sustentabilidade também é equilíbrio.

outubro 11, 2012

Bem Acompanhadas.


Era cedo ainda. Não tanto, mas cedo. As crianças já estavam na escola. Em uma cidade quente, o dia amanhecer branco é um acontecimento. Um friozinho bom, que, assim como tudo na vida, é relativo. Quando viro a primeira esquina, vejo que, lá em cima, ela continua brilhando. Como se não quisesse ir embora. Como se quisesse continuar observando o que nós, aqui, tão pequeninhos, fazemos durante o dia. Não sei se foi o sol quem permitiu, ou se ela sequer pediu permissão. Se foi um acordo ou uma briga de gigantes. Mas o fato é que ela ainda estava lá.
Me lembrei de quando as meninas eram menores e em uma noite estrelada, voltando para casa de carro, uma delas me perguntou:
- Mãe, por que a lua está seguindo a gente?
Eu respondi:
- Porque vocês são maravilhosas e ela quer levá-las até em casa, para ter certeza de que vocês chegaram bem e vão ter uma noite muito tranqüila.
Não houve réplica. Apenas dois sorrisos vistos pelo retrovisor. Sorrisos de segurança, de calma.
A mais nova chegou a ter medo de fazer alguma coisa errada em outras ocasiões e perder aquela companhia tão linda.
E hoje ela ficou até de manhã. Não consegui mostrá-las, mas, certamente, vou ignorar novamente qualquer traço científico, movimentos de translação e rotação e dizer que ela estava ali, e isso continua a significar uma proteção e um carinho que vem do céu só pra elas. 

julho 25, 2012

Medo de Morcego.

Acomodada que sou, achava que a reforma podia ser adiada mais um pouquinho. Mas, como dizem que os opostos se atraem, marido quer tudo "pra ontem" e, há muito, já se incomodava com o piso quebrado na cozinha e as pedras na fachada da casa construída provavelmente na década de oitenta ou noventa. É, não dá pra viver incomodado. Resolvemos começar o inevitável. Quebra-quebra a partir das sete horas da manhã todos os dias e uma poeira tão grande que não dava para imaginar que seria possível. Tudo perfeitamente previsível. Tem que ficar ruim para ficar bom depois.
Poeira, barulho, estranhos transitando pela casa, nada disso é surpresa. Surpresa foi o que vimos com a retirada de algumas telhas que ficavam sobre as janelas.
No momento em que foram arrancadas, dezenas de morcegos saíram vivos daquilo que, suponho, era um ninho, uma morada, uma pousada para o dia. Como eu pude tê-los tão perto sem nem desconfiar? Tenho medo, tenho nojo, tenho repulsa. Até porque nenhum deles se transformaria em Edward Cullen, Bill Compton, Stefan ou Damon. Nem os vampiros de hoje em dia se transformam em morcegos. Mas, voltando à nossa casa (ou à casa deles), as telhas serviam de abrigo para um dos animais que mais me assusta. Acima da janela do nosso quarto! Acima da janela do nosso closet! Acima da janela do nosso escritório! Convivíamos diariamente com vários morcegos, que descansavam como a cigarra cantarolante da fábula enquanto as formigas aqui ganhavam a vida. E, durante a noite que, enquanto dormíamos, sabe-se lá o que faziam. Só posso dizer que convivemos. Posso até dizer que pacificamente, até porque não sabíamos de suas existências.
Os morcegos saíram, não tem mais o abrigo das telhas. Mas eu fiquei pensando nisso. Se não fosse a reforma, a retirada das telhas, talvez jamais descobriríamos os outros animais que também moravam por aqui. Será que temos outros conviventes por perto? Será que convivemos com outros medos e repulsas dos quais nem temos ideia da existência? Será que existem morcegos também escondidos dentro de nós, que só serão descobertos com a retirada de outras telhas e entulhos? Ou será que o medo só vem com a consciência do que se tem por perto? Sem medo o perigo desaparece ou seria ainda mais ameaçador diante da nossa ignorância? Morcegos, ressentimentos, sentimentos. Acumulamos tantas telhas desnecessárias pela vida que elas vão ficando assim: cheias daquilo que não nos serve, daquilo que nos amedronta, daquilo que nos ameaça. E, quanto mais tempo passa, mais difícil é a reforma.