agosto 26, 2011

Coleção.

Quando criança, sempre quis ter uma coleção. Achava lindo quem colecionava objetos e mantinha tudo na mais perfeita ordem para satisfazer o seu próprio orgulho. Cheguei a começar algumas. Figurinhas, chaveiros,borrachas de cheiro, aquelas mini-garrafas de coca-cola que vinham em um micro engradado vermelho.

A maior de todas elas foi, sem dúvida, a minha coleção de papéis de carta. Pastas e mais pastas pretas de plástico com os papéis arrumados com o respectivo envelope e, às vezes, até com um adesivo para fechar o envelope que nunca seria usado. Trocava os papéis de carta repetidos com as amigas, vibrava quando encontrava algum modelo diferente, transparente, brilhoso e até cheiroso. Ficava horas e horas colocando os papéis na pasta e escolhendo - eu mesma, concorrente e júri - o mais bonito. 

Com o tempo, os papéis foram se perdendo, amarelando, rasgando. Nem das pastas eu tenho mais notícia. E nem poderia, considerando a crise alérgica que me causariam. Mas chego a me arrepender de não ter escrito naqueles papéis tão lindos, de não ter distribuído aquelas cartas não escritas, de ter deixado tudo perecer em função do excesso de zelo do qual eu cheguei a me orgulhar.

Continuo gostando de papéis, mesmo os coloridos, brilhantes e cheirosos, apesar de não ter mais oito anos e apesar de viver a era digital em todo o seu máximo conceito. Mas hoje não guardo. Não coleciono. Escrevo em todos. Nem que seja para mim mesma. Escrevo com o mesmo capricho que os guardava  naquela época. 

Colecionar objetos já não me fascina e me traz até uma certa fobia. Afinal, vivemos um tempo de falta de espaço e de tempo, duas das principais coisas que um colecionador precisa ter. Mas, como sempre acabamos por guardar traços da infância durante toda a vida, colecionadora eu pretendo continuar a ser. Hoje, coleciono sentimentos, sorrisos, sonhos, lembranças. Coleciono o que não precisa de espaço para ser guardado, e, o que é melhor, que pode ser pego, exposto e lembrado a qualquer hora. 

Coleciono sorrisos das minhas filhas, carinhos do meu marido, apoio da minha mãe, bençãos da minha avó, risadas das minhas amigas, momentos felizes da minha família, quilômetros corridos, barreiras quebradas, lugares conhecidos, cheiros e sabores sentidos, horas de sono, beijos e abraços. Coleciono até a saudade do que eu queria ter um pouco mais perto de mim. Coleciono vida. E só.


agosto 10, 2011

Alguns dias.


Alguns dias passam pela vida da gente sem que sejam sequer notados. Parecem que tampouco foram vividos. Quando crianças, poderíamos chamá-los de “ dias café-com-leite” ou qualquer coisa parecida. Um dia sem marca, sem cheiro, sem sabor. 

A sorte é que no meio desses dias sem predicados,  passamos por dias que se destacam no meio da multidão. Dias vividos de verdade. Dias com memórias, com cheiro, com sabor. Dias que nos fazem sorrir só de lembrar. Dias com brilho próprio. Dias que pareceram ter mais do que as vinte e quatro horas comuns aos demais. Aqueles que mereceriam páginas coloridas no diário de uma adolescente da minha época ou, ainda, registros incansáveis e cheios de entrelinhas para os facebooks  de hoje.  Minha filha mais velha diria que são dias irados, muito legais. A pequenina diria que são dias brilhantes, cor-de-rosa com glitter. Dias que dão inspiração, que compensam uma vida inteira, que dão fôlego.

Em alguns dias, parecemos fazer parte de uma grande dúvida, sem saber para onde ir ou aonde ficar. Caberia até trilha sonora do The Clash, algo como “Should I stay our should I go”.  Outros dias não conseguem ter uma trilha sonora, não chegam a esse nível de emoção,  representam apenas a incansável repetição de uma rotina também café-com-leite,  como na música Família, Titãs: “Almoça junto todo dia, nunca perde essa mania”.  

Apesar de gostar de rotina, chego a pensar que às vezes é necessário nadar contra a corrente, só pra exercitar. Todo o músculo que sente. E pedir um bis de presente, pro dia nascer feliz, como diria Cazuza – de quem eu não sou fã, em absoluto, mas sou obrigada a me render à beleza das suas alucinações poéticas.

Nando Reis – outro gênio alucinado – diz que o dia pode ser vertical. Assim eu quero os meus dias. Verticais. Buscando chegar a um lugar mais alto, tão longe como a lua corre. Mas...Se amanhã não for nada disso, caberá só a mim esquecer. O que eu ganho, o que eu perco, ninguém precisa saber.