agosto 18, 2009

Um nebulizador.

Toda casa que tem criança tem um aparelho nebulizador. Se não tem, vai ter. Inverno chegando ou indo embora, temperatura variando mais do que muitos corações inquietos, não tem jeito. Ele entra em cena. O nebulizador. Com a frequência do uso, esse ano foi necessário substituí-lo. O nebulizador que acalmava (ou pelo menos tentava) acalmar a Laura há sete anos e a Elisa há três nos previsíveis ataques de alergia do inverno vinha fazendo um barulho enlouquecedor e a TV, que se mostra uma aliada e tanto nos minutos de quase-paralização, sequer podia ser ouvida em volume alto.

Trocamos. O nebulizador agora é mais moderno, segundo o fabricante, é "ultra-sônico" e permite até mesmo que se faça a bendita nebulização com a criança deitada. Quase nenhum barulho, muito mais conforto.

Mas, ainda assim, entra em cena a Laura e sua sensibilidade. Um acontecimento simples do cotidiano se transforma em uma lição de amor e emoção quando nos permitimos chegar mais perto das pessoas e das coisas. "Sabe, mãe, criança às vezes tem uma imaginação que não se segura. Você acredita que eu estou olhando para o nebulizador velho ali em cima do armário e estou com pena dele? Ele parece estar triste...Parece que foi rejeitado. O que eu faço, mãe?"

"Filha, ele é apenas um objeto que precisou ser substituído. Cada coisa tem seu tempo...Precisamos ter sim esse sentimento, mas principalmente com relação às pessoas, que muitas vezes são substituídas ou rejeitadas como esse nebulizador, mas a diferença é que, assim como você, elas têm sentimentos..."

Pois é, filha, eu torço para que não sejam só as crianças que não consigam segurar a sua imaginação. Torço para que possamos enxergar tudo, sempre, com essa sensibilidade e essa preocupação. Talvez as coisas fiquem mais simples e, quem sabe até, seja possível dar vida às coisas mais simples...

agosto 09, 2009

Pai.

Ele era lindo. E cheiroso. E usava pullovers de linha azul marinho com gola V. Calmo, paciente. Flamenguista roxo. Gostava de carro novo. Em sua mesa, na empresa aonde trabalhava, tinha dois porta-retratos, iguais e cheios de quadradinhos. Um era dourado, com a minha foto. O outro, prateado com a foto do meu irmão. Ele construiu uma capelinha de São Francisco de Assis no pátio da empresa, com um laguinho artificial pequenino em volta e peixinhos. Jogava vídeo-game como ninguém. Durante o tempo em que ficou em casa, já doente, batia todos os recordes do River-Raid, Atari.

Nunca o vi brigando. Nunca o vi chorando. Nunca o vi com raiva. Talvez porque ele era mesmo perfeito, talvez porque não tenha dado tempo para conhecer os seus defeitos. O maior pecado que já o vi cometer era o de fumar alguns cigarros Charm por dia. Mas...Era o início dos anos 80, era quase impossível que fosse diferente.

Jogava baralho. E ganhava todas. Também gostava de "Bocha" ou "Bola de Pau". E cantava sempre para mim: "ô, coisinha tão bonitinha do pai..." . A ùltima vez que o vi, já no hospital, ele nos deu, a mim e ao meu irmão, um bombom Serenata.

E eu sinto falta. Muita. Não sei se passo um dia da minha vida sem lembrar que ele esteve comigo por oito anos. Mas deixou muita coisa boa para lembrar. A tristeza de não poder falar "Pai" é engolida pela alegria de ter tido um pai tão maravilhoso. Ele não viu a minha formatura, o meu casamento, o nascimento das minhas filhas. Ou, talvez, tenha participado de tudo isso mais do que qualquer outra pessoa.

Não sei, mas tenho a impressão de que, por tudo isso, hoje, meu choro pareça mais de alegria do que de tristeza...




Essa ilustração linda foi a Nina que fez, lá no blog dela que é uma delícia de ler e de ver. Tomei emprestada, Nina, você deixa?

agosto 06, 2009

Olha só como as coisas mudam...

Antes de ter filhos, eu adorava o frio. Eu não me preocupava com a hora de dormir, pois no outro dia poderia compensar as horas perdidas. Eu não me preocupava com o que fazer no fim de semana, pois as coisas sempre apareciam e tudo era possível. Eu não me preocupava com a geladeira vazia, só com água e refrigerante, porque poderíamos comer fora, se fosse o caso. Eu não planejava as minhas férias, elas aconteciam como tinham que acontecer. Eu não tinha frutas frescas em casa a qualquer dia. Eu tinha nojo de tudo e nunca consegui ver sangue. Eu não cogitava morar em uma casa, apartamentos sempre me pareceram mais práticos e seguros. Eu sempre tive aversão a qualquer tipo de bicho, principalmente cachorro. Eu nunca me preocupei com o desmatamento, a extinção das espécies e a preservação da natureza.

Hoje eu prefiro o calor. Mais liberdade, menos gripes e resfriados, mais banho de mangueira. Me preocupo com a hora de dormir, porque sei que precisarei estar inteira no outro dia. Me preocupo com o fim de semana, tentando fazer coisas diferentes. Preciso ir ao supermercado com mais freqüência, afinal, o lanche da escola precisa ser balanceado e estar sempre à mão. Uma das maiores preocupações na hora de planejar as férias é se o destino tem atrações ou atividades para crianças. Eu posso pegar qualquer coisa na mão, limpar qualquer coisa, se for por elas. Moro em uma casa com jardim, espaço e uma casinha de bonecas cor-de rosa. Alíás, moro em uma casa com jardim, espaço, uma casinha de bonecas cor-de-rosa e uma cachorrinha que não pode me ver sentada que pula no meu colo. Pérola é o nome dela.

Olha só como as coisas mudam...